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Autor:
Miguel Ignatios
Qualificação:
Presidente do Conselho Deliberativo da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB).
E-Mail
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Data:
01/02/02
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O Difícil Caminho para a Alca

Para o Brasil vir a integrar a Alca, na condição de parceiro privilegiado dos Estados Unidos, o caminho é longo e cheio de obstáculos, o equivalente, neste início de século 21, ao que os navegadores portugueses tiveram de enfrentar, para chegar às Índias, nos séculos 15 e 16. Na verdade, a tarefa brasileira é bem mais complicada, pois pressupõe identificação dos objetivos a serem alcançados; definição de parcerias estratégicas de longo prazo; e, sobretudo, diálogo franco e permanente do governo com o setor privado.

Os objetivos a serem alcançados até a formação da Alca são três: fazer um acordo comercial Mercosul-União Européia, ou, na impossibilidade deste, pelo menos, um tratado entre Brasil e União Européia; negociar, no âmbito da OMC, e da agenda de implantação da Alca, o acesso de produtos do agrobusiness e de manufaturados brasileiros aos mercados mundiais, sem protecionismo, e sem aplicação de medidas compensatórias, previstas nas leis antidumping; e criar novas rotas marítimas para atingir a China e o Extremo Oriente.

Mas de nada adiantará todo esse esforço se, simultaneamente, o Brasil não atender a dois pressupostos básicos: elevar em, no máximo, cinco anos a participação do País no comércio exterior mundial para 2% (atualmente representa menos de 1%) e multiplicá-la por três em uma década; e, no plano interno, baixar drasticamente os juros para algo em torno de 8% ao ano; com isso, será possível concluir a modernização do parque industrial e investir em novas tecnologias.

Geopolítica e diplomacia - A escolha de parcerias de longo prazo para se alcançar o objetivo estratégico - ter acesso ao que se pode-chamar de "novo caminho para as Índias", formado pelos mercados do Nafta, da União Européia e do Extremo Oriente - é fundamental para o sucesso da empreitada. Para tanto, nossa diplomacia comercial necessitará de uma releitura da geopolítica do processo de globalização. Além disso, terá de contar com boa dose de habilidade e sorte para manter, simultaneamente, conversações, repito, com ou sem os demais países do Mercosul, com europeus, americanos e no âmbito da OMC.

A maior aceitação dos produtos do agrobusiness brasileiros por parte dos mercados europeus, causada pela menor quantidade de subsídios dados aos produtores agrícolas locais, e pela ocorrência de doenças como a da "vaca louca", o que abre excelentes perspectivas às exportações de carnes bovina, suína e de frango, além do farelo de soja, componente essencial da alimentação animal, recomenda o rápido fechamento de acordo comercial com a União Européia.

África e Pacífico - O segundo lance dessa estratégia comercial deverá ser o de manter a qualquer custo o Mercosul, mesmo que ele venha a funcionar no futuro apenas como uma zona de livre comércio, pois isso ampliará significativamente a ação diplomática brasileira em direção á África e ao Pacífico.

A partir daí, ficará mais fácil ao Brasil e ao Mercosul conseguir duas outras parcerias de extrema importância: com a Comunidade de Nações da África do Sul, em formação, e que inclui, além do pais de Mandela: Zâmbia, Tanzânia, Quênia, Angola, Zimbábwe, Moçambique e Namíbia; e com Peru, Chile ou México, para a definição de futuras rotas comerciais rumo ao Extremo Oriente.

O fechamento de acordo comercial entre esses dois blocos - Mercosul e Comunidade do Sul da África - poderá ser amplamente benéfico para ambas as partes, já que permitirá às milhões de pequenas e médias empresas comunitárias daqui e de lá alcançar economia de escala.

Por sua vez, as rotas comerciais para o Extremo Oriente terão a vantagem de reduzir pela metade a distância entre os principais portos sul-americanos e os chineses e japoneses, dentre outros.

Competitividade seletiva - Tarefa comum ao empresariado e ao governo será definir quais setores e segmentos da economia brasileira podem competir com congêneres estrangeiras, numa escala crescente de competitividade seletiva. Por exemplo: tais setores podem concorrer em pé de igualdade com produtos similares fabricados em países do Mercosul e da Comunidade do Sul da África, mas não com fabricantes europeus, asiáticos e americanos. Outros podem ser capazes de competir com similares europeus e asiáticos desde que tenham recursos suficientes para financiar suas exportações. E assim por diante.

Esta talvez seja a parte mais difícil da estratégia comercial para se chegar à Alca. Ela pressupõe diálogo permanente e ágil entre empresariado e o atual e o futuro governo a fim de se estabelecer rapidamente sintonia fina entre a diplomacia comercial e o setor produtivo. Tal sintonia terá de assentar-se, necessariamente, na desoneração do setor produtivo, na baixa dos juros, na maior integração do setor bancário com o comércio, a agricultura, a indústria e os serviços; e em uma política industrial não teórica, mas a ser definida na prática, e resultante do diálogo permanente entre governo e empresariado.

Em resumo, o Brasil terá de rever a atual comercial, baseada no equilíbrio entre seus principais parceiros: Estados Unidos, União Européia, Mercosul, exportadores de petróleo e Extremo Oriente.

Em vez disso, o "novo caminho para as Índias" sai da Europa em direção ao Sul da África e da América Latina, daí alcançando o Extremo Oriente, para, depois, ter acesso a Estados Unidos e Canadá.

Para alcançar tais objetivos, serão necessários determinação e o envolvimento político de todos os setores da sociedade, inclusive do Congresso Nacional, por meio da mobilização permanente das comissões de Economia e Comércio Exterior.

A recente vitória da Embraer sobre a Bombardier na OMC (Organização Munidial do Comércio), é um excelente presságio para 2002!

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