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Autor:
Silvio Roberto Isola
Qualificação:
Presidente do Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de São Paulo (Sindigraf-SP).
E-mail:
[email protected]
Data:
01/10/03
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Questão de Ordem, Companheiro!

O "espetáculo do crescimento" anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva começa a ter resultado inversamente proporcional à intenção retórica contida na frase. Ao contrário de despertar a confiança e elevar a auto-estima de empresários e trabalhadores, tornou-se mais um item a ser cobrado e serve de mote para fartas críticas dos políticos da oposição e até mesmo alguns integrantes da base de sustentação do governo. Entre o discurso e a prática está o imobilismo da máquina estatal. Há indícios de que o governo enfrenta dificuldades para gerir a administração, pois a massa do funcionalismo, embora predominantemente petista, reage de forma dura à reforma da Previdência.

Não se pode, evidentemente, tirar o mérito do Governo Lula de ter proposto, em seis meses, uma reforma ousada, correta na extinção de privilégios e que, na prática, representa a negação de parte substantiva do discurso do PT quando na oposição. Contradição? Sim, mas há diametral diferença entre "discursar" e "governar". E parecem estar exatamente no hiato entre os dois conceitos os principais gargalos do Governo Lula. É uma administração capaz de elaborar e enviar ao Congresso um projeto de reforma da previdência de inspiração liberal, que nem mesmo o governo anterior, amplamente sustentado por essa corrente ideológica, ousara fazer; ao mesmo tempo, patina nas negociações, na retórica e nas explicações. É como se tivesse um pé na administração, mas ainda não conseguisse tirar o outro do palanque e das assembléias partidárias.

Assim, um ansioso Brasil fica em compasso de espera, assistindo às discussões entre o governo e seus eleitores, dentre eles funcionários públicos, sem-terra, sem-teto.... É preciso parar com isso. É, de fato, uma questão de ordem, companheiro Lula, levantada pelos brasileiros que produzem e trabalham e que querem muito o espetáculo do crescimento, a geração de empregos, a prosperidade, a inclusão social dos milhões de habitantes à margem da cidadania, inclusive os que, em movimentos organizados, reivindicam terras, casas e trabalho. A estes, somente o crescimento do nível de atividades pode beneficiar de verdade, mas sua condição atual não lhes dá o direito de invadir propriedades particulares ou do Estado e de fomentar a desordem.

Ao cabo de oito meses no Palácio do Planalto, em termos práticos para a economia o presidente Lula só fez manter a política monetarista recessiva de seu antecessor, tão criticada pelos empresários e trabalhadores, adotando algumas medidas ainda mais duras contra a liquidez, o investimento e a geração de empregos. E, neste descompasso, começa a desagradar a todos. Para a Nação, não se justifica a desculpa de que, ao assumir o governo, o PT encontrou a economia numa sinuca de bico entre a dívida do setor público e a dependência da poupança externa, dentre outras dificuldades. Todos sabiam disso e, no caso, vale a célebre máxima popular: quem não tem competência não se estabeleça...

A sonolência da economia, agora agravada pela queda de confiança suscitada pelo descontrole das invasões, é facilmente perceptível na performance da indústria gráfica, cujos segmentos de embalagens, impressos promocionais e de segurança (talões de cheques, cartões etc), notas fiscais e manuais de produtos eletroeletrônicos são precisos termômetros do nível de atividades. O Setor também identifica o imobilismo da máquina pública por meio do atraso anormal das compras do Governo Federal, cujas encomendas ainda não se realizaram. As conseqüências são imediatas em outros setores, como de publicidade, promoção e área editorial.

Desemprego, "dança das cadeiras", inadimplência, quebradeira e desinvestimento são o resultado de muita negociação e pouca ação. A experiência como dirigente sindical ensina que dialogar é fundamental, mas muitas vezes é melhor um acordo razoável ou bom — e em tempo — do que tornar a Nação letárgica, refém da utopia. Assim, que sejam adotadas as medidas e ações necessárias, como uma estratégia urgente para o crescimento; que o Fórum Nacional do Trabalho, lançado em 29 de julho pelo presidente da República, não se transforme simplesmente numa série de encontros dicotômicos entre as grandes companhias e os fortes sindicatos e centrais de trabalhadores, mas sim traduza a necessidade de flexibilização das leis trabalhistas, respeitando direitos, deveres, porte das empresas e oferta de oportunidades e investimento. Que eleva à formalidade pelo menos metade dos trabalhadores sem direitos assegurados e não esconda na informação de meio milhão de novas carteiras assinadas a realidade de altíssimos níveis de disponibilidade

Em meio a toda essa turbulência, o governo criou mais um programa, o do Primeiro Emprego. No entanto, conforme ouvi recentemente em círculo de empresários, é bom que ande logo na execução de seus projetos, pois, caso contrário, em vez de contribuir para que os jovens tenham a oportunidade de iniciar suas carreiras, as empresas estarão promovendo a rescisão contratual do último emprego de seus colaboradores...

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