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Autor:
Laerte Idal Sznelwar
Qualificação:
Médico especialista em Ergonomia, professor doutor do Departamento de Engenharia de Produção da POLI-USP, e diretor de Ergonomia da Fundação Vanzolini.
Data:
02/07/00
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O Trabalho Humano com Sistemas
Informatizados no Setor de Serviços


Pela primeira vez, as doenças ligadas ao trabalho começaram a atingir outros segmentos sociais. Antes, doença profissional era um fenômeno vivido e sofrido por operários da indústria, por trabalhadores da agricultura e por operários urbanos. As LER / DORT (Lesões por Esforços Repetitivos também denominadas Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho) ironicamente "democratizaram" um pouco as doenças do trabalho, deixando de ser um fenômeno nitidamente obreiro e atingindo também segmentos médios da sociedade. Este tipo de problema atinge vários segmentos da economia, onde muitos são trabalhadores do setor de serviços. Além de atingir os chamados "operadores", que fazem trabalhos repetitivos sob pressão de tempo, há, em proporções menores, casos entre pessoas que atuam em outros tipos de tarefa, havendo alguns casos inclusive entre aqueles que trabalham nos níveis gerenciais, mas usam seguidamente computadores.

A quantidade de casos de afastamento, em certas empresas, atinge níveis significativos, caracterizando-se quase como um quadro epidêmico. Há situações onde a quantidade de afastados ultrapassou 12% da população empregada em determinados setores. Desta forma há, não apenas sofrimento para quem está com sua saúde afetada, mas há comprometimento da produtividade, da qualidade e da imagem das empresas perante a sociedade. Os conflitos explícitos ou implícitos entre os trabalhadores e as empresas podem se tornar mais significativos como também há questões ligadas aos constrangimentos legais que esta situação acarreta.

Um espaço significativo na literatura científica também foi dedicado a esta questão, sendo inclusive objeto de congressos mundiais. Não é à toa que inúmeros pesquisadores no Brasil estiveram, estão ou estarão de alguma forma ligados a estas questões.

De uma forma ou de outra, as causas fundamentais deste tipo de sofrimento ligado ao trabalho, são devidos à introdução maciça de conceitos derivados da chamada "organização científica do trabalho", mais conhecida ainda como "taylorismo" - "fordismo" no setor de serviços. Dentre eles citamos: a fragmentação dos processos de produção; a introdução de tarefas de ciclo curto; a desconsideração da importância do trabalho mental; o uso de sistemas de controle eletrônico sobre o trabalho.

A introdução destes conceitos, permitiu por um lado, uma massificação da produção do setor, seguida de sofrimento físico e psíquico. A "taylorização" do setor de serviços, se é que assim podemos chamar, foi possível graças à implementação de uma ampla base computadorizada nos sistemas de informação destas empresas.

A informatização no setor de serviços, fundamental para agilizar a produção e o atendimento aos clientes, foi concebida de acordo com paradigmas equivocados sobre o trabalho. Ficamos com uma nítida impressão que o trabalho é algo efêmero, onde o ser humano é uma peça do sistema que pode ser facilmente trocada, onde a sua competência não é fundamental para a qualidade do serviço a ser prestado ao cliente. Em várias situações o planejamento foi feito para que as pessoas ficassem trabalhando pouco tempo, de um a três anos.

A informática deveria ser considerada como um instrumento que facilitasse o trabalho humano. O problema não está na máquina, em si, mas na maneira como se concebe o seu uso, os programas (softwares), como ela é projetada, como são projetados os processos de produção e o conteúdo das tarefas. De qualquer maneira, as opções devem considerar, em primeiro lugar, o que seriam atividades de trabalho humano adequadas às suas possibilidades e limites físicos, cognitivos e psíquicos.

Achamos fundamental que todos os interessados neste problema, as empresas, os trabalhadores, os profissionais de saúde, de projeto, os pesquisadores e, outros que por ventura venham a se ocupar destas questões, que trabalhem para conseguir vencer este desafio. É necessário que no menor espaço de tempo possível, novas formas de trabalhar, se tornem dominantes no mundo da produção de serviços para reverter este quadro. Os custos humanos, sociais e, mesmo os custos de produção são significativos e precisam ser reduzidos e, quem sabe até, eliminados.


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