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Autor:
Roberto Corrêa de Mello
Qualificação:
Advogado e sócio da De Rosa, Siqueira, Almeida, Mello, Barros Barreto e Advogados Associados.
E-mail:
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Data:
02/07/03
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Propriedade Intelectual: Divergências Entre a Legislação Brasileira e Norte-Americana

As diferenças e semelhanças entre o regime norte-americano e o brasileiro na área da propriedade intelectual geram discrepâncias no que diz respeito à reciprocidade formal e material. Enquanto o direito brasileiro tem como fonte de inspiração o direito europeu, principalmente o alemão e o francês, a legislação norte-americana baseia-se nas práticas comerciais, o que lhe atribui uma feição predominantemente negocial, cujos conceitos diferem profundamente daqueles relativos à formação clássica do direito europeu. A vida jurídica do Brasil tem institutos muito próximos aos direitos de personalidade, contrapondo-se ao fundamento negocial do direito norte-americano.

Em 1916, o nosso Código Civil trouxe as primeiras normas pertinentes ao direito do autor, explicitando uma vinculação indissociável entre o autor e sua criação. Somente em 1973, com a Lei n.º 5988, os juristas elaboraram um diploma legal que aperfeiçoou tal vinculação personalista entre o titular e o objeto de sua criação, delimitando com clareza o que são os direitos morais e os direitos patrimoniais, que se traduzem no aspecto de natureza comercial ou de aproveitamento econômico da obra literária, artística ou científica.

Este vínculo entre o autor e a obra configura a base jurídica do direito de autor no Brasil. A Carta Constitucional de 1988, em seu artigo 5º, incisos XXVIII, XXVIII e XXIX, explicitou o que se denominam os direitos de propriedade intelectual, sempre vinculando os autores ao processo de criação e ao direito sobre o aproveitamento econômico de suas obras. Dez anos depois, em 1998, a Lei n.º 9.610 foi concebida na esteira de tais disposições constitucionais. A legislação brasileira atribuiu ao titular dos direitos autorais a faculdade de autorizar a utilização da obra, segundo critérios de conveniência subjetiva. Isto permite ao titular dispor de sua obra como bem lhe convém.

Ao titular cabe a „palavra final‰ sobre o uso de sua obra, segundo critérios de ordem personalíssima, bem como de conveniência e oportunidade do uso, em suas diversas modalidades. É por esta razão que os direitos morais que constituem a vinculação subjetiva entre o autor e sua obra de criação não podem ser transferidos a terceiros, sob qualquer modalidade, a título oneroso ou gratuito.

Já nos Estados Unidos, a propriedade intelectual tem uma configuração jurídica diferente da brasileira. A legislação brasileira segue basicamente os parâmetros da Convenção de Berna, firmada pelos países que adotam a sistemática jurídica do direito de autor. Não sendo signatário desta convenção, os Estados Unidos adotaram o instrumento jurídico denominado copyright (direito de cópia). Na acepção pura do termo, copyright significa configurar direitos sobre determinado processo de criação, o que ocorre com o registro da obra protegida, fixada materialmente em função do ato registrário.

Ora, se o direito nasce com o registro, significa dizer que não há direito sem registro. Significa também dizer que, à luz do direito norte-americano, o direito não nasce em relação ao titular, mas sim em relação à obra.

A Convenção de Roma, editada em 1961 e ratificada pelo Congresso brasileiro, admite que as leis nacionais prevejam exceções à proteção dos direitos autorais dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de fonogramas. Contudo, estas restrições não podem suprimir na concepção do direito de autor a palavra final do titular, a quem compete avaliar a oportunidade e a conveniência de utilização da sua criação. A concepção norte-americana de copyright diverge frontalmente do nosso direito de autor. Nos Estados Unidos, tais restrições assumem um caráter mais amplo, já que se abstrai a figura do titular, facultando-se ao legislador norte-americano impor legalmente normas que excepcionam o exercício dos direitos, num verdadeiro deslocamento do ato de vontade individual, para impor a soberania do ato de Estado.

Pelo princípio de reciprocidade formal, nos termos da legislação nacional, basta para um autor norte-americano provar ter editado, sob qualquer modalidade, sua obra nos Estados Unidos. Inversamente, para um autor brasileiro invocar sua titularidade perante os tribunais norte americanos é imprescindível apresentar o registro de sua obra. A lei que disciplina a proteção do autor estrangeiro não domiciliado no Brasil é a mesma que trata do direito dos nacionais. Num cenário globalizado e pela importância que a cultura norte-americana assumiu na sociedade contemporânea, a reciprocidade formal e material torna-se cada vez mais uma imposição social. É latente a necessidade de fixarmos políticas que implementem tratamentos para abrigar as duas concepções, universalizando procedimentos relativos à remuneração pelo uso da propriedade intelectual.

Tratamento diferenciado também têm os chamados direitos conexos no Brasil e nos Estados Unidos. Nosso país foi um dos primeiros a adotar normas protetoras, enquanto os Estados Unidos - que detêm grande parte do acervo de titularidades artísticas que são divulgadas mundo afora - adotam tratamento jurídico e sistemas não unificados de arrecadação. Os direitos conexos na área artística, principalmente na área artístico-musical, têm uma importância significativa no Brasil: no âmbito das execuções públicas correspondem a 1/3 do volume total da arrecadação musical.

No Brasil, os chamados direitos fonomecânicos - de que são titulares somente os autores - são pagos diretamente pelos produtores fonográficos aos titulares, sem qualquer gestão coletiva. Isto porque, seguindo o conceito de direito de autor, o produtor fonográfico somente pode fixar materialmente a obra após autorização do titular, estabelecendo-se um vinculo contratual que permite o pagamento direto mediante prestação de contas, identificando o número de fonogramas comercializados no período de competência, em geral trimestral.

Com relação aos intérpretes, o vinculo também é contratual e se estabelece em função da notoriedade do artista e da sua abrangência de comunicação ao público. Os músicos acompanhantes também firmam autorizações específicas e são remunerados pelos produtores fonográficos. Nos Estados Unidos há a gestão coletiva para os direitos fonomecânicos, sendo que a Associação Harry Fox conglomera hoje o maior acervo de titularidades de copyright, sem qualquer referência ao chamados direitos conexos.

Os direitos de execução pública nos Estados Unidos são geridos pela associação denominada BMI, que arrecada remunerações oriundas da execução do copyright. No Brasil, adotando sistema sui generis, os titulares filiam-se às associações de direitos de autor que, juntas, administram o ECAD &Mac246; Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, ao qual incumbe à arrecadação unificada dos direitos de autor e dos que lhes são conexos.

Atualmente, as associações ABRAMUS, AMAR, SICAM SBACEM, SOCIMPRO e UBC gerem e administram o ECAD, tendo em seus quadros titulares de direitos autorais e de direitos conexos que, segundo critérios fixados na chave de distribuição confeccionada por tais entidades na gestão coletiva do ECAD, são remunerados proporcionalmente pela execução pública de suas obras, fonogramas e interpretações. Nota-se uma vez mais a concepção clara de titularidades, absolutamente diversa do conceito de copyright.

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