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Autor:
Dorival Jesus Augusto
Qualificação:
Advogado e Jornalista
E-mail:
[email protected]
Data:
02/12/99
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Consulte os seus instintos

Todo empresário brasileiro tem uma pedra no sapato: ele atua num ambiente pró-sistema financeiro, e não num cenário pró-negócio. Isso inclui tributos escorchantes, juros inimigos, burocracia enlouquecedora, concorrência desleal de produtos estrangeiros subsidiados e cegueira dos poderes públicos.

A macroeconomia voltada para o sistema financeiro - e não para a produção, como deveria ser - transforma cada empresário num refém de políticas públicas equivocadas. Nesse ambiente, a consultoria profissional tem larga margem de expansão. Nesta época de desafios, ela tem sido de grande utilidade, mas às vezes extrapola para o aconselhamento ditado por pessoas que jamais tiveram que honrar uma folha de pagamentos ou descontar uma duplicata para fazer o negócio sobreviver.

Recentemente, a revista Fortune deu o exemplo de um empreendedor americano que conseguir crescer de maneira radical contrariando as leis de certo tipo de consultoria. Ou seja, insistiu num nicho já saturado - no caso, a fabricação de chips - e abriu espaço entre a concorrência seguindo seus próprios instintos. Está na hora, portanto, de o empreendedor brasileiro valorizar o que tem - sua própria vivência num mercado de enorme potencial - e deixar de lado aqueles conselhos que pouco ou nada colaboraram para seu principal objetivo: a conquista de mercado.

Um dos instrumentos mais valiosos que estão disponíveis para o empresário brasileiro é uma rede de 60 mil empresas de contabilidade em todo o país, que emprega aproximadamente 120 mil profissionais da área, gerando 300 mil empregos diretos e atende a mais de 3 milhões de empresas. Esta é uma rede que precisa ser enxergada em sua totalidade e que é fundamental para que alguns programas do governo - que tarde acordou para o empreendedorismo - possam dar certo.

É preciso, por exemplo, levar em conta o papel do contabilista no programa Brasil Empreendedor, que tem como objetivo disponibilizar treinamento para agentes empresariais, visando o desenvolvimento de atividades empresariais e a geração e manutenção de postos de trabalho no segmento das micro, pequenas e médias empresas. O plano é capacitar 2,3 milhões empresários brasileiros ao longo de um ano. Como isso poderá ser viabilizado - com o enorme acervo de financiamento que esse programa acarreta - sem o visto, o nihil obstat dos contabilistas?

Todo empresário que vai a um banco sabe que o gerente pede o visto de um contabilista para qualquer projeto de financiamento. Um plano de negócios precisa da consultoria eficaz daquele que está sempre próximo à gestão empresarial. Os contabilistas - que hoje precisam agir como consultores - têm cacife para dar um salto maior, ajudando ao empresário a transpor obstáculos e chegar ao seu objetivo. Esse é o tipo de apoio totalmente sintonizado com as especificidades do mundo empresarial.

Quando vemos feiras gigantescas de negócios promovidas por estrangeiros, que nada mais querem do que partilhar nosso mercado interno, temos que ter em mente a eficácia das nossas ações. Precisamos continuar provando ao consumidor brasileiro que aqui temos know-how para peitar a concorrência, já que dispomos de uma longa história de lutas para fazer do Brasil um país de futuro.

Enquanto o governo barganha com os estrangeiros a entrega das nossas riquezas, os empresários daqui vão exercendo naturalmente um nacionalismo moderno, desenvolvendo uma postura a favor da soberania nacional em novos termos, com garra e competência para competir com os estrangeiros. A globalização deve ser estrategicamente voltada para beneficiar o Brasil. Por que só os países ricos podem ganhar com o fim das barreiras tarifárias? (que sabemos como funciona: eles nos obrigam a comprar seus produtos enquanto barram nosso aço, frango, laranja etc.).

Não se trata da velha xenofobia anti-estrangeiros. Mas de dinamizar uma ação que valoriza o que temos feito aqui, pois nossa cultura é rica e complexa e tem cacife para se desdobrar em milhões de novos negócios. Temos o principal: a força empreendedora do povo, as largas terras de oportunidades, um parque industrial e uma rede comercial que já aprenderam a conviver com a competitividade externa e, principalmente, a experiência empresarial vivida.

Não podemos encarar nossa História como um objeto qualquer de consumo, como se completar 500 anos fosse sentir saudades da Colônia. Precisamos detectar os rastros das nossa criatividade, que se perdeu em muitos anos de políticas públicas equivocadas, em excesso de incompreensão por parte dos governantes, em moedas sucateadas, em inflações galopantes, em recessões fabricadas. O empresário brasileiro precisa tomar pé da situação e bater na porta do mundo mostrando o que tem de melhor: sua criatividade, seu valor e seu conhecimento.


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