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Autor:
Miguel Ignatio
Qualificação:
Presidente da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) e da Fundação Brasileira de Marketing (FBM).
E-Mail
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Data:
04/08/00
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O País dos Macunaímas

A pedido do compositor Cazuza, o Brasil vem perdendo o receio e aos poucos vai mostrando a sua cara. O retrato que hoje sintetiza o momento complicado que o País atravessa é, sem dúvida, o do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, a mais recente e perfeita "encarnação" do Macunaíma (o herói sem nenhum caráter, criado por Mário de Andrade).

Como era de se esperar, a sociedade não gostou nada do que viu e ouviu durante os últimos escândalos levantados pela mídia: os casos do ex-senador Luís Estevão, do ex-secretário da Presidência da República, Eduardo Jorge; e o do dinheiro desviado na construção do fórum trabalhista, em São Paulo, dentre outros.

Todos eles, somados à gigantesca "pizza", que encerrou o "festival" de denúncias contra o prefeito Celso Pitta, deixaram na população a sensação de que é difícil, senão impossível, julgar e punir acusados dos chamados crimes de "colarinho branco" em nosso País.

Em parte, a expectativa de que ninguém será punido decorre da velocidade com que novos escândalos são descobertos e denunciados pela mídia, deixando, dessa forma, o leitor, o ouvinte e o espectador atordoado com o ritmo dos acontecimentos. À medida que fatos novos surgem e são denunciados, a mídia cede espaço a eles, esquecendo-se de informar o andamento dos casos anteriores. E assim sucessivamente.

Mas esse é apenas um aspecto secundário da questão. Há outros e bem mais importantes.

O principal deles é a defasagem entre a sociedade civil, que ao longo da última década, aprendeu a se organizar e a exigir os seus direitos; e a mentalidade retrógrada ainda dominante entre nossos políticos, legisladores, juízes e burocratas em geral.

De um lado, trabalhadores, classe média e empresariado, apoiados pela mídia, Igreja, OAB e por diversas Ongs, exigem a cidadania plena; do outro, políticos, tecnocratas, legisladores, juízes e funcionários do chamado "alto clero" insistem em atender a essas demandas com soluções velhas, ineficazes, tópicas e corporativistas.

Isso, obviamente, deixa na população a falsa sensação de que não dá para mudar o status quo.

Mas existe ainda um terceiro aspecto que ajuda a entender esse diálogo de surdos entre sociedade civil e autoridades. Trata-se do equivocado enfoque do Estado, .que ficou fora de suas atividades tradicionais (educação, saúde e segurança, dentre outras), e que prejudicou a mobilidade social.

As conseqüências disso foram trágicas: no vale-tudo social que se seguiu, salvaram-se apenas o empresariado; a alta burocracia, que, nas palavras de Roberto Campos, agarrou-se aos "abusos adquiridos", para garantir o futuro; e parte da classe média.

Obviamente, tal situação criou um vazio enorme na área social que Estado e o setor privado, juntos, não conseguem atender a contento.

Existem soluções para todos esses problemas? Sim. E elas começam pela retomada do crescimento, redução do desemprego, distribuição socialmente mais justa da renda, continuidade das reformas (principalmente tributária, política e do Judiciário) e o fim de todos os privilégios.

A sociedade civil já se deu conta de que vivemos num País de Macunaímas e quer acabar com isso rapidamente. Cabe, portanto, ao governo a missão de interpretar corretamente os anseios da sociedade e apressar a "demolição" desse modelo injusto e falido. Felizmente, há tempo ainda para as necessárias reformas.


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