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Autor:
Miguel Ignatios
Qualificação:
Presidente da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) e da Fundação Brasileira de Marketing (FBM).
E-Mail
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Data:
06/10/01
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"Santuário" do capital

Por que não transformar logo a América Latina em uma espécie de "reserva" ou "santuário" do capital estrangeiro não especulativo, ou seja, destinado apenas aos setores produtivos da região? A pergunta feita agora que o subcontinente americano está ameaçado de ser definitivamente excluído da agenda de negociação de George W. Bush, em razão da nova prioridade dada ao combate ao terrorismo internacional, na verdade, é mais do que oportuna. A América Latina tem pago, ao longo de sua história, um preço muito alto pelo fato de, desde a época dos grandes descobrimentos, ter sido palco de poucos conflitos de real interesse para as ex-potências coloniais e, atualmente, para as grandes nações industriais. As guerras do Paraguai, do Chaco e, bem mais recentemente, as das Malvinas/Falklands e do Canal de Beagle constituíram-se em honrosas exceções, em cinco séculos de convivência pacífica.

Comparemos, por um instante, as guerras e conflitos armados por disputas territoriais, ocorridos ao longo dos mesmos cinco séculos, na Europa, na Ásia e até mesmo na África e concluiremos, com extrema facilidade, que a América Latina e a Oceania são, disparadas, as campeãs mundiais do pacifismo. No início da década de 70, o Tratado de Tlatelolco, assinado na cidade mexicana do mesmo nome, proclamou a América Latina como a única região do mundo livre de armas nucleares. Desde então, o status de "santuário" pacifista da Humanidade pouco rendeu às nações e às populações pobres desta parte da América, além de elogios pela atitude correta, diga-se a bem da verdade, de livrar o subcontinente do perigo representado pelo uso do átomo para fins militares. A conseqüência lógica disso foi a perda de importância da região nas agendas de todos os presidentes americanos que se seguiram a Tlatelolco, uma vez que a América Latina, na visão dos planejadores da política externa americana, deixara de ser estratégica.

No início da década de 90, os governos latino-americanos, liderados pelas autoridades brasileiras, tentaram, sem sucesso, tirar proveito político e econômico do fato, reconhecido por todos os países do mundo, de a região ser uma das mais ricas do planeta em biodiversidade, em grande parte devido ao fato de abrigar a Amazônia, maior floresta tropical da Terra. Em outras palavras, o status de "santuário" ecológico também pouco tem rendido à América Latina a não ser a injusta cobrança por parte das nações civilizadas que denunciam, na maioria das vezes sem razão, quaisquer tentativas de ocupação, ainda que racional, da Amazônia. Ou seja, eles (os países civilizados) nada fazem para diminuir a poluição, cobram políticas de preservação do meio ambiente dos latino-americanos, mas se recusam a pagar royalties pelo ar que respiram. Recentemente, após os atentados terroristas a Nova York e Washington, o presidente Fernando Henrique Cardoso convocou a diplomacia brasileira para a tarefa de realizar, assim que for possível, uma reunião de cúpula entre chefes de Estado da América Latina para debater o terrorismo. Essa iniciativa deve ser vista como mais um esforço da região para impor-se aos olhos das grandes potências mundiais.

Da mesma forma que a globalização exigiu que o subcontinente se organizasse em blocos comerciais (Mercosul, Comunidade Andina, Mercado Comum Centro-Americano etc.) para que tivesse maior visibilidade econômica, o terror como forma de ação política também exigirá uma ação comum e coordenada da América Latina para combatê-lo. Só que, desta vez, será necessário que a região não aceite seja mais ser tratada apenas como coadjuvante por americanos, europeus e asiáticos. A idéia por trás da iniciativa do presidente Fernando Henrique é criar condições para a região transformar-se, em curto espaço de tempo, em "santuário" para o capital internacional destinado aos setores produtivos da economia do subcontinente. Existe lugar mais seguro para hospedar o capital internacional do que uma região, como a América Latina, que é considerada livre das armas atômicas e "paraíso" da biodiversidade?

Passar essa imagem a investidores norte-americanos, europeus e asiáticos, dentre outros, e mobilizar os blocos comerciais existentes, no âmbito da América Latina, para a tarefa de, em conjunto, atraírem capitais para a região, passou a ser, desde os atentados aos Estados Unidos, missão prioritária e permanente da hábil e competente diplomacia brasileira. Além disso, é preciso que os líderes da região também se unam para ampliar a presença latino-americana no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Atualmente, ela se limita a apenas um representante e em sistema de rodízio. É necessário, pelo menos, criar-se mais um assento para uma representação regional permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Só dessa forma a América Latina poderá voltar a ter importância estratégica para o mundo mesmo sendo uma região de vocação eminentemente pacifista. Muitos intelectuais americanos do porte do professor Albert Fishlow, dentre outros, já defendem abertamente essa tese. Chegou a hora de a diplomacia brasileira agir.

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