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Autor:
Romeu Chap Chap
Qualificação:
Presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP) e da Romeu Chap Chap Desenvolvimento e Consultoria Imobiliária S/C.
E-mail:
[email protected]
Data:
06/11/03
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A Quem Interessa um Projeto Que Encarece a Habitação e Aumenta o Desemprego?

No decorrer do ano passado, mais de 30 entidades de classe, representantes de diferentes segmentos da sociedade civil organizada, constituíram a chamada “Frente pela Cidadania”.

Tal mobilização se deu em virtude dos debates e embates &Mac246;relativos ao projeto de lei do Plano Diretor Estratégico do município de São Paulo. Nenhum desses organismos, dentre eles o Secovi-SP, se opunha ao novo Plano. Pelo contrário. Reconheciam plenamente sua necessidade, haja vista que a cidade há mais de 30 anos pedia tal providência.

A questão é que, em um aspecto em particular, o projeto de lei proposto pela Secretaria Municipal do Planejamento, contrariava os interesses da comunidade. Pretendia o governo reduzir o coeficiente de aproveitamento para uma única vez a área do terreno em toda a área urbana da Capital e, posteriormente, autorizar a recuperação do potencial de construção por meio da denominada outorga onerosa. Ou seja, primeiro seria subtraído o direito adquirido dos proprietários para, depois, devolvê-lo mediante contrapartida financeira!

Após intensas negociações com os poderes Executivo e Legislativo municipais, a mencionada Frente pela Cidadania fez ver às autoridades públicas a impropriedade (ou ilegalidade) dessa intenção, a qual implicaria conseqüências indesejáveis à coletividade.

A principal delas seria o brutal encarecimento da habitação, com conseqüente redução de novas construções na Capital e inevitável desemprego. Como sem comprador não há mercado, as empresas seriam obrigadas não só a diminuir suas atividades (ficariam restritas ao seleto e minguado - público de elevado poder aquisitivo) como migrar para cidades vizinhas.

A argumentação das entidades foi entendida pelo poder público e, em setembro do ano passado, o Plano Diretor Estratégico foi aprovado, sem incluir o coeficiente único igual a uma vez a área do terreno em todo o município, com o que a sociedade de ser penalizada. Acordou-se que, somente a partir de 2006, os índices de aproveitamento poderiam ser revistos, considerando-se que São Paulo possui uma das menores taxas de adensamento do mundo, relativamente a outras metrópoles do planeta.

E por que temos tão baixo adensamento? Isso remonta aos idos de 1971, quando São Paulo possuía uma população de seis milhões de habitantes e uma área urbanizada de aproximadamente 700 quilômetros. Naquele ano, gestão do prefeito Figueiredo Ferraz, foi elaborado o Plano Diretor e, no ano seguinte, a Lei de Zoneamento, ambos até hoje em vigor, com algumas mudanças pontuais.

Por questões políticas, as duas legislações foram aprovadas a toque de caixa e sou testemunha desse fato, pois acompanhei diretamente o processo na ocasião. Foram definidas apenas oito zonas de uso. Tanto que a hoje conhecida Z2 correspondia, nos mapas, a áreas ainda não zoneadas da cidade.

Figueiredo Ferraz e o secretário do Planejamento de então, Benjamim Adiron Ribeiro, acreditaram que, posteriormente, seriam feitos os ajustes necessários, bem como adotado um sistema de atualização permanente, acompanhando a dinâmica de crescimento da cidade.

Mas o que estava na cabeça dos gestores, cujas intenções eram as melhores possíveis, não se transportou para a realidade. Figueiredo Ferraz foi exonerado (na época, os prefeitos eram nomeados pelos governadores). Adiron Ribeiro deixou de ser o secretário do Planejamento. E ninguém teve condições de dar prosseguimento àquelas idéias.

Quando das discussões do Plano Diretor, aprovado em 2002, tivemos a preocupação de evitar a repetição desses fatos. Até porque as características do município mudaram radicalmente: a população elevou-se para 11 milhões de pessoas e a área urbana para 1.500 quilômetros quadrados.

Entretanto, parece que tudo o que foi negociado à exaustão poderá ficar sem efeito. Basta que a Câmara Municipal aprove, como está, o projeto de lei do novo Zoneamento, já enviado pela Secretaria do Planejamento. Nele, o coeficiente único foi simplesmente ressuscitado (!) na maior parte da cidade.

Além disso, há a possibilidade de a Câmara aprovar rapidamente os projetos. Como afirmou o secretário do Planejamento Jorge Wilheim, em recente encontro na sede do Secovi-SP (do qual participaram lideranças de entidades como Fiesp, Associação Comercial, Federação do Comércio e outras, inclusive representantes de trabalhadores), essa rapidez se deve às eleições de 2004.

Disse, ainda, o secretário que essa mudança de zoneamento está prevista no Plano Diretor aprovado. De fato está, mas apenas a partir de 2006, alterando os índices de aproveitamento dos terrenos para mais ou para menos, conforme o caso. O que não foi explicado é por que o projeto antecipa essa revisão e, note-se, somente reduz o índice...

A volta do coeficiente único em nada contribui para um adequado projeto urbanístico. Não podemos incorrer nos erros do passado, aprovando a queima roupa projetos que definem o futuro da cidade e interferem diretamente na vida dos cidadãos, sem que estes possam conhecer o assunto e opinar. Houve uma série de audiências? Sim, é verdade. Mas quem conseguiu entender de fato as propostas? Nós, que por força de ofício, conhecemos o assunto, montamos grupos de trabalho multidisciplinares para poder interpretar cerca de 300 páginas de texto e mais de 400 mapas, e descobrir coisas interessantes, como a impossibilidade de construir vilas em zonas estritamente residenciais. E pior, descobrir que todos esses documentos ainda estão sendo alterados, que o que foi para a Câmara não está consolidado! Se para os especialistas está sendo difícil, o que será do cidadão comum?

A matéria não autoriza qualquer tipo de açodamento. É por isso que, certamente, nossos vereadores deverão analisá-la à luz do interesse público, sem permitir que o processo eleitoral do ano que vem prejudique o compromisso de realmente representar os cidadãos. Precisamos de tempo para entender, corrigir, convergir e implantar. Isso é governo participativo de fato e de direito.

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