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Autor:
Miguel Ignatios
Qualificação:
Presidente da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) e da Fundação Brasileira de Marketing (FBM)
E-Mail
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Data:
08/03/01
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Árvores e trens

Seu grande sonho de político iniciante foi o de ser prefeito de Santos. Era pouco. Cuidou, durante quase dois anos, indicado pelo ex-governador Franco Montoro (na época os prefeitos das capitais e dos municípios considerados estratégicos eram nomeados pelos governadores), em 1983, com idênticas doses de carinho e austeridade, da cidade de São Paulo. O ex-alcaide biônico da Capital convocava reuniões com todo o secretariado, que começavam às oito horas da manhã e não tinham hora para terminar. Algumas vezes, acabavam só na madrugada do dia seguinte. Era esse o estilo de administrar de Mário Covas.

Diariamente, chamava, um a um, todos os seus auxiliares para despachar com eles no Ibirapuera, na época, sede da prefeitura paulistana. Talvez por isso, rodeado pela única grande área verde da cidade, cobrasse implacavelmente do seu titular de parques e jardins a distribuição e o plantio sistemático de árvores na extensa periferia paulistana. Queria a todo o custo enquadrar São Paulo nos seis metros quadrados de áreas verdes, parques e jardins por habitante, recomendados pela ONU. Conseguiu seu objetivo.

Ao passar o cargo de prefeito para Jânio Quadros, eleito por uma diferença de menos de cem mil votos, concorrendo com Fernando Henrique Cardoso, haviam sido plantadas em todo o município, com prioridade para a periferia, bastante carente de verde, nada menos do que três milhões de árvores. Eis aí, uma boa idéia, simples e barata, que a elegante prefeita Marta Suplicy poderia imitar, com ganhos para todos os munícipes. Essa foi uma contribuição de Mário Covas à sua São Paulo adotiva pouco conhecida até mesmo de seus correligionários tucanos.

Constrangido e contrariado pelo fato de ter de governar São Paulo sem ter sido eleito, Mário Covas decidiu investir toda a sua energia em duas prioridades simples e ao mesmo tempo poderosas: incentivou a construção de casas populares pelo sistema de mutirão e plantou árvores. Mais tarde, eleito e reeleito para o Palácio dos Bandeirantes, não se esqueceu dos menos favorecidos moradores da periferia. Substituiu boa parte da sucateada e imunda frota dos trens de subúrbio por trens doados pela Espanha, dotados, pasmem os leitores!, de ar condicionado e música ambiente.

Assim era o santista Mário Covas. Autero, teimoso, turrão, do contra, traindo sua ascendência espanhola, mas competente, honesto, transparente, sempre colocando os legítimos interesses da cidade, do estado e do País em primeiro lugar. Fiel discípulo de Montoro e seguidor do seu exemplo, foi o único governador brasileiro a mudar a relação política com os governados, elevando-os da categoria de simples eleitores para a de cidadãos plenos. Um belo exemplo, que, infelizmente, não vem sendo seguido como deveria.

Sua derradeira contribuição aos paulistas foi emblemática. Ao assumir o governo estadual, em 1995, herdou um orçamento com um déficit de nada menos do que sete bilhões de reais. No início deste ano, em uma de suas últimas reuniões com todo o secretariado, anunciou, feliz, que o estado de São Paulo teria ao longo deste ano nada menos do que R$ 6,8 bilhões (ou seja, praticamente idêntico valor ao do déficit que herdara) para investir exclusivamente na área social (educação, saúde e lazer). Um detalhe: tal montante é igual ao que está destinado para a mesma finalidade no orçamento da União para 2001.

Mário Covas foi o único governador a realizar voluntariamente os cortes necessários para equilibrar as contas públicas do estado, antes mesmo da vigência das leis Camata 1 e 2 e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Consciente de que as ações sempre valem mais do que as palavras, deixou-nos um legado que, com certeza, será entendido e apreciado pelas futuras gerações.

Plantou árvores e sonhos, e colheu o respeito e a admiração de todos, correligionários, eleitores e até mesmo dos adversários políticos.


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