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Autor:
João Barroso
Qualificação:
Diretor da Unisa Business School, Universidade de Santo Amaro
E-Mail
[email protected]
Data:
07/05/02
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O Executivo na imaginação popular

O uso do termo executivo na área de negócios entrou em uso na década de oitenta. No início daquela década, após mais de vinte anos da entrada em peso das multinacionais no país começavam a surgir os primeiros sinais de que uma nova classe de profissionais estava emergindo. Estes eram administradores profissionais, muito bem pagos para buscarem resultados ambiciosos em mercados que começavam a ficar competitivos. Estes administradores (nem todos formados em administração!) rapidamente ocuparam cargos de alto comando nas empresas que tiveram a visão de investir em conhecimento e estratégia para conquistar e manter novos mercados.

Oitenta foi uma década interessante do ponto de vista de formação de mercados: surgia no Brasil uma classe média ávida pelo consumo. Surgia um mercado interno capaz de devorar milhões de produtos de produção em escala. Surgia a cultura do uso de cartões de crédito e o cheque pré-datado foi massificado. Os sistemas de crédito ao consumidor rapidamente se expandiram para ceder créditos às massas desfranqueadas até então. Surgiram formas de assegurar riscos de inadimplência, incluindo-se uma gama de especialistas nesta área tais como advogados e analistas de crédito. O marketing ganhou novas dimensões na mídia, seja nas suas formas de atingir o grande público, seja na apresentação dos seus conteúdos, tornando-se assim um dos mais requintados do mundo. Nesta década ficou claro também que nós tínhamos uma classe média com sede de luxurias, de cultura, de viagens, de status seja no modelo do carro, na beleza urbana dos condomínios fechados, no cheque cinco estrelas ou na gama de serviços vip de um cartão de crédito.

Pelo lado das empresas, a produtividade aumentou drasticamente, a qualidade dos produtos deu um salto qualitativo jamais visto (pelo menos nos mercados maduros), o uso da informática e da informação passou a guiar as decisões de corte e investimento, os mercados borbulharam na guerra competitiva, se refazendo e se reconfigurando, seja via falência, aquisição, joint venture e outras formas de aliança com a finalidade de se criar vantagem competitiva. Começou nesta década os programas de downsizing, reengenharia, qualidade total e outras formas de trazer transformação dos processos produtivos e da cultura organizacional.

Foram estas transformações em todos os níveis da vida pessoal e organizacional que criaram as condições para o surgimento dos executivos. À primeira vista eles se confundem com estrelas de Hollywood. Aparecem nas poucas revistas de negócios, contam suas experiências e experimentos, falam de suas peripécias no mundo da estratégia e do pensamento, penduram-se em cipós ou saltam de paraquedas, alguns são exóticos, outros viciados no trabalho, outros falam leve como a pena e executam ações de grande envergadura organizacional com a leveza de um dedo. Todos têm em comum pelo menos um ponto: sabem como ganhar dinheiro e expandir os negócios. Em análise mais detalhada, porém, percebe-se que estes executivos são, na verdade, nada mais nada menos que pessoas de grande percepção do que acontece no mundo, mestres na sua capacidade de síntese, capazes de transformar complexidade em simplicidade. Talvez seja esta a maior qualidade que iria, década noventa adentro, transformar o executivo empresarial em herói.

Ao longo da década de noventa a palavra executivo sofreu transformações. O executivo da década de oitenta foi uma classe gerencial que diferia significativamente dos gerentes da década de setenta e dramaticamente dos gerentes da década de sessenta. Até os anos sessenta a administração caracterizou-se por eleger como gerente o bom funcionário mais antigo, o bom técnico que sabia conduzir o processo produtivo. A parte estratégica cabia ao dono ou aos homens da matriz. Na década de setenta a classe média brasileira foi para as Universidades para aprender a gerir negócios de modo profissional. Surgiram assim os primeiros gerentes (em massa) graduados em administração que iriam assumir cargos mais altos com experiência prática muito menor que os da década de sessenta. Nos anos oitenta surge o executivo que tem muito mais escolaridade que todos os anteriores mas com conhecimento mais diversificado, menor capacidade técnica que todos os anteriores mas com um faro especial na área de estratégia, coisa jamais vista antes. O próprio campo do planejamento estratégico vai conhecer seus maiores teóricos nesta década (Igor Ansoff e Michael Porter) e as Teorias da Competição enriquecem-se e se diversificam.

O Brasil, assim como praticamente todos os países do mundo, teve os seus grandes executivos desde os anos oitenta. Em relação aos Estados Unidos, porém, os executivos brasileiros se desenvolveram com uma relativa fraqueza: foram grandes administradores mas não necessariamente bons relações públicas no sentido mais amplo da palavra. Benchmarking era algo praticamente desconhecido até o final da década de oitenta. Escrever artigos seja na mídia especializada seja em outras mídias era quase que uma ousadia, uma forma de altruísmo em que a maior parte dos executivos não via sentido. A fraqueza do executivo dos anos oitenta é que ele ousou muito pouco no campo do marketing pessoal, da construção da imagem intelectual que perpetua idéias, deixando assim espaço demasiado grande para a sua própria varredura. De grupo de pessoas extremamente interessante e importante na história da administração brasileira o executivo dos anos oitenta passou, pelo menos na imaginação popular, a ser visto como modismo do passado.

Hoje assistimos a uma nova transformação na imaginação popular do executivo. Há todo um esforço por parte das empresas, sobretudo as de serviços, em se redefinir a imagem do executivo, ou seja, em reinventá-la. Este esforço visa, sobretudo, incorporar os novos gerentes de médio e baixo escalão. Empresas de serviços correm atrás de executivos por todo canto; professores fantasiosos oferecem cursos de quase cem horas-aula para executivos que queiram aprender a conjugar verbo; pequenos gerentes procuram consumir os produtos que os qualifiquem como executivos, ou que pelo menos os tornem mais empregáveis, tais como cursos de línguas e viagens ao exterior; o ego das pessoas é levantado ao descrevê-las como executivos (ou executivas).

Este processo de transformação inventiva está reinventando a idéia que temos do executivo mas está também deixando espaço para uma nova classe de dirigentes. Hoje temos mais executivos – todos, certamente, com menos poder executivo. Uma nova lacuna na imaginação popular começa a se formar, é a lacuna deixada pela redefinição da noção do executivo. O preenchimento desta lacuna só cabe a uma tipo de pessoa, ou grupo de pessoas: a dos estrategistas em nível global. De certa forma, mas vagarosamente, este novo grupo, muito menor, vem emergindo nos Estados Unidos e agora no Brasil com o nome de CEO (Chief Executive Officer), mas estes ainda têm que provar a si mesmos e ao grande público o que é que eles têm de melhor e de diferente dos executivos que povoam as organizações e a imaginação popular desde os anos oitenta.

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