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Autor:
Miguel Ignatios
Qualificação:
Presidente do Conselho Deliberativo da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB).
E-Mail
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Data:
08/03/02
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O Aço da Discórdia

A recente decisão do governo americano de taxar as importações de aço, de 8% até 30%, conforme os vários tipos do produto, colocam os Estados Unidos contra praticamente o resto do mundo. De um lado, os interesses das obsoletas siderúrgicas americanas; do outro, União Européia, China, Coréia do Sul, Austrália, Brasil e até o Japão, mergulhado em profunda recessão, há mais de dez anos. São países que reconhecidamente têm aciarias mais modernas e competitivas.

Esse é o preço que os Estados Unidos, uma economia imperial que, sozinha, produz e detém de um terço a 40% de toda a riqueza do planeta, têm de pagar. Pregam o livre comércio para o resto do mundo, mas, quando se trata de socorrer a sua própria economia, recorrem sistematicamente ao protecionismo mais explícito.

Ou seja, tudo o que vale para o mundo não vale necessariamente para os Estados Unidos. Leis de mercado, juros, fluxo de capitais, Bolsa de Valores e intercâmbio comercial podem alterar-se significativamente em razão de interesses domésticos americanos.

Essa contradição já se insinuara no imediato pós-guerra e no começo da década de 50, quando a economia americana emergiu intacta dos escombros da Segunda Guerra Mundial. Mas acirrou-se para valer em 1971, ano em que Nixon, republicano como Bush, anunciou ao mundo o fim da era do dólar com lastro em ouro, padrão estabelecido em 1944, no acordo de Bretton Woods.

A justificativa encontrada na época foi a de que a quantidade de dólares que circulava na Europa e no restante do mundo, com a finalidade de financiar o comércio internacional, colocava em risco a estabilidade da economia americana. Era como se houvesse dois PIBs: um dentro do território dos Estados Unidos e outro fora. Mas do mesmo modo que Nixon na época, Bush só tem controle sobre o que se produz em seu país.

Tal dicotomia - ser ao mesmo tempo o maior produtor e consumidor de tudo e ter a mesma moeda, o dólar, para circular internamente e pelo mundo afora - vem norteando a política externa americana nas últimas três décadas.

A União Européia também precisou de três décadas para dar o troco: a criação do euro, cuja finalidade é transformar-se em alternativa para as trocas comerciais e também para composição das reservas estratégicas de cada país.

A conseqüência dessa estratégia americana tem sido o crescente isolamento em relação aos demais países. Um exemplo recente, fora da área econômica: a União Européia acaba de acatar a redução na emissão de gases poluentes, de acordo com o estabelecido pelo Protocolo de Kyoto, e até marcou a data de 1º de junho próximo para o cumprimento das cotas definidas por 15 países-membros.

Por sua vez, os Estados Unidos, que respondem por 30% do total dos poluentes, simplesmente se recusam a fazer o mesmo que os europeus, que, em conjunto, emitem um quarto do total dos gases nocivos ao meio ambiente.

Hoje é o aço, amanhã será o suco de laranja, a soja, os têxteis e calçados, estes dois últimos itens atualmente incluídos em acordos que estabelecem cotas anuais para entrada no mercado americano.

Que fazer para defender-se do protecionismo americano? Recorrer à OMC parece ser o mais indicado. Mas não fazê-lo de forma isolada. Aliar-se à União Européia, à China e ao Japão, também enormemente prejudicados na questão do aço, pode ser o primeiro passo de uma ação política mais ampla e permanente contra tal prática restritiva.

Os interesses comerciais do Brasil e da União Européia têm convergido cada vez mais, nos últimos anos, em conseqüência do protecionismo americano. Daí ser inadiável um acordo amplo de comércio e de investimentos entre o Mercosul, mesmo capenga, e o Velho Continente. Esse acordo é de longe preferível à implantação da Alca nos moldes do que está sendo sinalizado pela atual política de comércio dos Estados Unidos.

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