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Autor:
Flávio Marques Ferreira
Qualificação:
Presidente da Indústria Marília Autopeças
E-Mail
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Data:
09/05/01
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Eficiência Brasil

Certa vez, no café da manhã de um hotel nos Estados Unidos, a tensão, a agitação e as reclamações indignadas não deixavam qualquer dúvida. Havia, ali, um imenso problema. Tão grande, que já suscitara convocação do gerente para providenciar solução urgente. Os comensais, aflitos, não conseguiam concluir o breakfast, pois uma fatia de pão, pouco maior do que as demais, enroscara na torradeira (daquelas de esteira giratória, típicas de algumas redes hoteleiras norte-americanas ).

Parou a esteira; parou a torradeira; parou o café da manhã; parou o hotel! Eis que, de repente, sonolento, descontraído e feliz, um brasileiro adentra ao salão. Serve-se de leite, dirige-se à torradeira, pega uma faca, desenrosca o pão, então transformado em suculenta torrada, passa manteiga, senta-se à mesa e come. Estupefatos - e para alívio do gerente -, os nativos formam nova fila em frente ao aparelho e, ordenadamente, aguardam sua vez de esquentar o pão. Tudo volta ao normal....

Cenas reais como esta demonstram haver lamentável equívoco quando se confere conotação semântica pejorativa à expressão "jeitinho brasileiro". É necessário ter muito discernimento para separar os vícios de corrupção, irreverência, irresponsabilidade e tráfico de influência que, é verdade, ainda persistem no País, da grande capacidade administrativa, criativa e perfil desburocratizante dos profissionais, executivos e empresários brasileiros. E esses atributos, na competitiva economia do novo milênio, são determinantes ao sucesso de uma empresa, pois favorecem fatores essenciais: rapidez nas decisões; soluções objetivas e focadas nos verdadeiros problemas (técnicos, gerenciais e mercadológicos, dentre outros enfrentados no dia-a-dia das empresas).

Há uma analogia direta entre a história da torrada e o sucesso de numerosos brasileiros em empresas multinacionais e globalizadas. Apenas para citar alguns exemplos (bons exemplos, aliás): Henrique Meirelles, presidente mundial do BankBoston, um dos mais reconhecidos executivos do setor financeiro em todo o mundo, e Carlos Ghosn, presidente da Nissan, que implantou modelo administrativo made in Brazil na rede internacional de filiais da companhia.

Há outros indicadores de que o "jeitinho brasileiro" deve, mais do que nunca, tornar-se sinônimo de eficiência. Como a da torrada, aqui vai mais uma história verdadeira para ilustrar a questão: uma indústria multinacional de autopeças, de inegável reputação técnica, com ISO, Qualidade Total, Just in Time e várias outras qualificações, passou anos desenvolvendo um projeto, mas não conseguiu colocá-lo em prática. Agora, uma de suas concorrentes - genuína empresa "tupiniquim" (eis aqui mais uma expressão a ter sua conotação semântica revista) - está lançando, na hora certa e no lugar certo, o produto que a transnacional não conseguiu viabilizar, um motor de partida e alternador adequados à realidade atual do mercado.

A indústria nacional em questão também é qualificada pela ISO e outras "comendas" da nova economia. No entanto, mais do que exibi-las como troféus e argumentos de marketing, aplica-as, de maneira efetiva, na busca da eficiência, qualidade, produtividade e boas condições de trabalho para funcionários administrativos e operários. A empresa do alternador frustrado não é a única multinacional do setor a se dar mal no mercado brasileiro de autopeças.

Cases como esses e trajetórias brilhantes de profissionais brasileiros, aqui e nos quatro cantos do mundo, multiplicam-se em todos os setores de atividades. Neste momento em que a auto-estima anda rareando na sociedade brasileira (em decorrência da alta criminalidade e violência, da incontinência verbal dos políticos, dos impostos altos, da corrupção persistente e dos problemas crônicos verificados em cinco séculos de história), é fundamental difundir as virtudes gerenciais, logísticas, operacionais e tecnológicas do "jeitinho brasileiro". É importante demonstrar, cada vez mais, que não temos de positivo apenas o primeiro lugar, quase cativo, no ranking de seleções da Fifa; ou que a malandragem, aplicada nos negócios, embora a ética, acabe sendo aceita como característica desejável, do ponto de vista de quem gosta de levar vantagem em tudo.

Definitivamente, não! É preciso que o brasileiro passe a se orgulhar exatamente do que tem de bom. Afinal, se exemplos positivos forem difundidos, serão os paradigmas de comportamento para toda uma nação. O contrário também é verdade e, portanto, deve ser combatido. É possível, sim, ser brasileiro na globalização. O tal "jeitinho", criativo, esperto, ligeiro, competente e ético, encaixa-se como uma luva neste novo mundo sem fronteiras. À essa peculiar maneira de ser resta apenas desenvolver um atributo: capacidade de dar um chega-pra-lá naqueles - pessoas e instituições desfiguradas - que prejudicam a imagem e ferem a alma da brasilidade, com atos e comportamentos mesquinhos, desonestos, anacrônicos e sem ética.


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