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Autor:
João Amato Neto
Qualificação:
Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP
E-Mail
[email protected]
Data:
09/10/00
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As cooperativas de trabalho de produção

Constituindo-se como alternativa de organização do trabalho e de produção, as cooperativas estão presentes de forma cada vez mais significativa na economia atual de vários países. Surgidas há mais de um século - a partir da experiência pioneira de Rochdale, na Inglaterra, em 1844, como uma resposta e oposição dos trabalhadores da indústria têxtil às formas capitalistas de produção -, as idéias cooperativas foram gestadas sob inspiração da corrente liberal dos chamados socialistas utópicos franceses e ingleses do século XIX, assim como a partir das experiências associativas que marcaram toda a primeira metade deste século.
Os princípios da estrutura e funcionamento das cooperativas de consumo, inicialmente, estavam contidos nos estatutos da Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale. Tais princípios e valores passaram a se constituir, posteriormente, nos fundamentos da doutrina cooperativa em todo o mundo, e diziam respeito à forma de governo da sociedade cooperativa, que determinava: eleição em assembléias gerais dos representantes dos associados, livre adesão e demissão dos sócios, direito de apenas um voto por associado (um homem, uma voz), pagamento de juros limitado ao capital, distribuição dos ganhos proporcionalmente às compras efetuadas pelos associados, depois de descontadas as despesas de administração etc.
Todos estes tradicionais princípios do cooperativismo sofreram uma reformulação a partir do congresso Internacional da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em Viena (1966), onde foram estabelecidos outros princípios. Já mais recentemente, na declaração aprovada em 23 de setembro de 1995 pela ACI, em Manchester, Reino Unido, foram propostas algumas modificações que podem ser resumidas em sete princípios: adesão voluntária e aberta, gestão democrática por parte dos sócios, participação econômica, autonomia e independência, educação, formação e informação, cooperação entre cooperativas e interesse pela comunidade. Há, portanto, nesta declaração de Manchester, uma clara referência a valores. Os valores da cooperação se apresentam da seguinte maneira: as cooperativas estão baseadas nos valores de auto-ajuda, responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. Na tradição de seus fundadores, os sócios cooperativos respeitam os valores éticos da honestidade, da transparência, da responsabilidade e da vocação social.
A pecularidade da empresa cooperativa é a perda da hegemonia do capital. Tata-se de uma empresa baseada no trabalho, na atividade realizada em comum, na pessoa, que é quem realiza a atividade. Abordada desta forma, a cooperativa pode ser entendida como uma empresa humana, em contraposição à empresa capitalista/mercantil.
A explicitação dos valores éticos constitui-se em um fato relevante na declaração de Manchester, uma vez que se mostra oportuna a referência a valores, tais como a transparência, de vital importância nas relações entre os sócios, e a responsabilidade social, vinculada ao novo princípio cooperativo de interesse pela comunidade.
Há, basicamente, três modelos cooperativistas - o de consumo, o de produção e o de crédito - a partir dos quais são elaboradas as demais variações, desde as cooperativas especializadas no atendimento de necessidades econômicas específicas, até cooperativas mistas, que combinam dois ou mais tipos de cooperativas, e as cooperativas integrais, que se destinam ao atendimento das várias necessidades de seus sócios e de suas famílias, como é o caso dos Kibutzim, em Israel.
No mundo atual, e especialmente em alguns países da Europa, há um grande número de experiências bem-sucedidas do movimento cooperativista. Apenas para citar alguns dos mais expressivos exemplos, pode-se comentar o caso do Complexo Cooperativo de Mondragón, no país basco (Espanha), dos Kibutzim, em Israel, e das cooperativas de produção, serviços, consumo e de crédito das várias regiões que compõem a chamada Terceira Itália. No seu conjunto, tais cooperativas envolvem centenas de milhares de associados.
A partir das experiências históricas do cooperativismo na Europa do século XIX, as cooperativas começaram a se difundir por todo o mundo. As primeiras surgiram no Brasil já no final do século XIX. Apesar da tradicional legislação associativista presente no meio rural brasileiro, foi no setor de consumo dos centros urbanos que surgiram as primeiras cooperativas no Brasil. As pioneiras foram: a Associação Cooperativa dos Empregados da Companhia Telefônica, na cidade de Limeira (SP), em 1891, a Cooperativa Militar de Consumo no Rio de Janeiro, em 1894, a Cooperativa de Consumo de Camaragibe (PE), em 1895, e a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Cia. Paulista, na cidade de Campinas (SP), no ano de 1887. Só posteriormente é que o movimento cooperativista atingiu o meio rural, com as primeiras cooperativas agrícolas de Caxias do Sul (RS), já em 1902, e as cooperativas dos plantadores de café, algodão, mandioca, arroz, milho e de laticínios no Estado de Minas Gerais, a partir de 1907.
A expansão da experiência cooperativa levou à criação de várias entidades que passaram a congregar as diversas cooperativas. Dentre elas, cabe destacar a Organização das Cooperativas Brasileiras - OCB, como representante legal do sistema cooperativo nacional, criada em 1971, e, mais recentemente, a BRASCOP - Fundação Brasileira de Cooperativismo, que se propõe a atuar como instrumento de prestação de serviços de consultoria técnica, auditoria e de capacitação/formação de recursos humanos e financeiros.
Porém, o que se constata é que há uma grande atomização das cooperativas singulares, ou seja, cooperativas sem vínculo a qualquer entidade, federação ou centrais. Mesmo nas regiões Sul e Sudeste, onde a atuação das cooperativas é mais significativa (corresponde a 65% do total no País), o movimento confederativo das cooperativas ainda é inexpressivo.
Apesar do seu pioneirismo no meio urbano, foi no setor rural, por meio das cooperativas agropecuárias, onde o movimento cooperativista mais se difundiu ao longo de todo este século, atingindo a década de 80 com aproximadamente 75% do número total de cooperativas no Brasil, seguida das cooperativas habitacionais, vinculadas ao extinto Banco Nacional da Habitação (BNH), com cerca de 15% do total, e das cooperativas de crédito, registradas no Banco Central, representando o restante.


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