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Autor:
Edemir Marques de Oliveira e Camilo Gribl
Qualificação:
Diretores de Impostos da BDO Directa
E-mail:
[email protected] e [email protected]
Data:
10/06/03
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Repartição dos Tributos: Ninguém Abre Mão de Nada

Quando se discute a reforma tributária, os contribuintes logo imaginam que irão pagar menos tributos e, em contra partida, os diversos entes políticos sempre pensam em arrecadar mais, dificultando a conclusão de qualquer proposta no sentido de uma reforma tributária. Independentemente desse aspecto já é possível fazer algumas considerações a respeito da proposta do atual Governo formalmente encaminhada para o Legislativo.

Uma reforma tributária deve contemplar pelo menos a redução na carga de impostos para os poucos que efetivamente a suportam; simplificação na legislação tributária e nas sistemáticas de apuração que o contribuinte deve se utilizar (as chamadas obrigações acessórias); e a manutenção do mesmo nível de arrecadação dos governos federal, estadual e municipal.

Parece ser simples a tarefa, entretanto, desde 1995 se discute sobre o tema, quando o Governo anterior encaminhou oficialmente para o Congresso a primeira proposta de Reforma Tributária depois de implementada a Constituição de 1988. Até hoje não se chegou a um consenso. Mas muitas discussões e análises dos mais diversos matizes foram produzidas, chegando-se até em se falar na adoção de um imposto único, mas que por diversas razões já amplamente discutidas e que neste espaço não convêm explorá-las não foi levada a efeito, cabendo só relembrar que esse sistema nunca funcionou em nenhum outro país.

A proposta do atual governo está centrada principalmente nos itens: ICMS, que passaria a ter uma única legislação federal unificando as 27 existentes e as alíquotas seriam escalonadas em apenas cinco faixas, além de desonerar completamente as exportações desse imposto; Contribuição para o INSS, que passaria a incidir total ou parcialmente sobre o faturamento em substituição à folha de salários; Transformação da CPMF em imposto permanente.

Além dessas propostas de alterações, outras de menor impacto dizem respeito, por exemplo, à possibilidade de criação do imposto sobre grandes fortunas, sem necessidade de lei complementar; à transferência da competência da União de instituição do ITR para Estados e Distrito Federal; bem como à possibilidade de que ITBI, ITCMD e ITR venham a ser progressivos.

Nossas considerações que se seguem dizem respeito às propostas que entendemos mais relevantes, ou seja, ICMS, INSS e CPMF, dada a relevância dos mesmos em relação à carga tributária brasileira.

Quanto à proposta de mudança do ICMS, os aspectos positivos estão, além da desoneração das exportações não apenas para produtos industrializados, em uma simplificação para o contribuinte que realiza operações sujeitas a esse imposto em mais de uma unidade da federação, pois não teria que acompanhar todas as modificações legislativas que proliferam constantemente e cujo custo de acompanhamento (além da própria carga tributária) é extremamente elevado. Ainda assim, uma legislação federal única do ICMS deve ser considerada com reservas.

Hoje, o imposto é legislado pelos estados baseados em convênios celebrados entre si e que, de certa forma, é um balizamento único que deveria nortear todas as legislações estaduais. Infelizmente, alguns desrespeitam tais acordos. Não esclarecem o contribuinte de sua jurisdição a respeito de tributação em determinadas operações e concedem benefícios de forma unilateral. Desta forma, a legislação fiscal única somente surtirá efeitos no caso de a lei complementar prevista para ser editada estabelecer penalidades severas a seu descumprimento.

Mas, ainda em relação ao ICMS, a proposta não ataca dois pontos cruciais. Primeiro, não trata da sua imediata transformação em um imposto sobre valor agregado (IVA), onde se poderia agrupar o IPI de competência federal, o ISS municipal e as contribuições ao PIS e COFINS, que se pretende sejam transformadas em não-cumulativas. Segundo, não se expôs nada quanto ao lugar em que é devido o imposto, se no local do destino ou da produção do bem. Esse ponto, se não resolvido adequadamente, não acabará com a guerra fiscal existente entre os estados.

A proposta contempla a manutenção do sistema misto de partilha do imposto entre Estados remetente e destinatário de bens e mercadorias, definindo que a cobrança do imposto será feita no Estado de origem. Nesse sentido é possível apontar um aumento de carga tributária para alguns contribuintes: aqueles que hoje acumulam créditos do ICMS por conta de operações interestaduais não mais terão essa situação. Eventual acumulação de créditos do imposto somente existirá em razão de operações de exportação, posto que será vedada a concessão de incentivos que impliquem redução do ICMS (isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido, etc.), com exceção das pequenas empresas que têm assegurado tratamento privilegiado, mas que não manterão créditos.

Quanto ao INSS passar a incidir sobre o faturamento das empresas, parcial ou totalmente, em relação à folha de salários, a medida é justificável porque pode aumentar o número de empregos formais. Entretanto, mesmo como contribuição não cumulativa, trará um aumento de custo tributário significativo para determinadas empresas (fala-se em uma alíquota de aproximadamente 5,3%). E mesmo naquelas em que exista um uso intensivo de mão de obra, seria necessário aferir se existirá redução de custos suficientes a gerar aumento de empregos formais.

Uma outra crítica pertinente é que uma mudança nesse sentido pode prejudicar o gerenciamento de recursos da previdência, já escassos, pois quando a economia vai mal o faturamento das empresas (nova base de arrecadação) imediatamente recua. Eventuais cortes de pessoal e, portanto, redução da folha de salários demora um pouco para serem decididos pelas empresas.

Sobre a transformação da CPMF em um imposto permanente, resta saber com que alíquota ela seria mantida, se nos atuais 0,38% ou se menor. A CPMF tem significado uma fonte preciosa de arrecadação para o Governo, além de permitir identificar determinadas situações de omissões de rendimentos por certos contribuintes. A CPMF até pode ser mantida como instrumento de identificação e fiscalização de omissões por parte de alguns maus contribuintes, mas desde que seja possível a sua compensação por outros tributos federais por aqueles que efetivamente pagam impostos no Brasil.

Enfim, muito embora a exposição de motivos da emenda constitucional encaminhada ao legislativo tenha a pretensão de contemplar todas as premissas de uma efetiva reforma tributária, a proposta do atual governo federal não ataca diretamente todos os pontos, principalmente no que tange à criação de um verdadeiro IVA e à redução dos custos tributários. Mas está em andamento um passo importante no sentido de termos verdadeira reforma tributária. A carga tributária atual representa aproximadamente 35% do PIB sendo muito mal distribuída, pois decorre principalmente dos chamados tributos indiretos, os quais são suportados efetivamente pelo consumidor final, na medida em que são embutidos nos preços de bens e serviços consumidos pela população.

De fato, o Governo não conseguirá realizar ainda este ano uma reforma tributária, incluída a criação de um IVA verdadeiro. Mas uma reforma „enxuta‰ como está sendo proposta é possível, pois o Executivo Federal vem construindo uma base de apoio para sua aprovação o que pode permitir, num segundo momento, uma modificação mais ampla e profunda no sistema tributário brasileiro.

As principais dificuldades para se realizar uma reforma eficiente estão concentradas na repartição do bolo tributário entre União, estados e municípios. Cada um quer arrecadar mais e não quer abrir mão de nada, principalmente depois de a lei de responsabilidade fiscal provar que chegou para ficar. Sem consenso político será impossível alcançar uma efetiva reforma tributária, Resta saber se as bases para isso poderão mesmo ser estabelecidas.

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