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Autor:
Luiz Renato Roble
Qualificação:
Designer e diretor de Criação da Datamaker Designers.
E-mail:
[email protected]
Data:
11/06/03
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Conspiração

Seguimos pelas ruas provocando os pardais. Eles nos fotografam por onde passamos. Nunca prevêem o que faremos, pois nos fotografam pelas costas e somente depois do que fizemos. Não sentimos as quadras pelas quais já passamos. Os sinais demoram e nem lembramos aonde íamos. Desejamos ir logo. Não queremos, não podemos e não devemos parar.

É possível que esteja ocorrendo uma intensificação generalizada do emocional, onde todos acabamos ficando com os nervos à flor da pele. Parece que existe uma conspiração para que saiamos do prumo desde a aurora do dia. Quando estamos dando a ré para sair de casa, logo de manhã e por mais deserta que seja nossa rua ou o bairro, sempre está passando um carro no exato momento em que estamos saindo.

Dirigindo por uma rua relativamente estreita passamos por uma curva onde uma bicicleta, naquele exato momento, desvia de duas senhoras, idosas e distraídas, que caminham quase no meio da rua, pois são obrigadas a contornar uma caçamba que se encontra sobre a calçada.

Para evitarmos um atropelamento grupal, desviamos e quase batemos de frente com o carro que aparece instantaneamente vindo do outro sentido e que passa por nós, naquele instante mágico. Inexplicavelmente, depois que passamos pelo susto, pelo carro, pela caçamba, pelas senhoras, pela bicicleta e pela curva, andamos por um longo trecho sem cruzar por nenhum outro carro.

Quando estamos trabalhando, a impressora costuma dar problemas exatamente na hora em que precisamos imprimir um documento urgentíssimo, e também o computador trava justamente quando enviar aquele e-mail importante antes de sairmos do escritório é imperativo.

Quando estamos a um clique daquela informação que ficamos procurando horas na Internet, aparece uma simpática mensagem esclarecedora anunciando que o programa executou uma operação ilegal e que o mesmo será fechado.

Tentamos usufruir os avanços da tecnologia. A previsão do tempo, entretanto, nunca diz nada com nada. Se agora está frio, daqui a pouco poderá esquentar. Se amanhã for sábado, pode apostar que estará chovendo. Se esquentar demais, logo estará frio. Sempre na sexta-feira o tempo começa a fechar, chovendo sem parar.

As horas de lazer que poderiam nos descomprimir também não ajudam muito. Nunca temos nada para fazer até que sejamos convidados para alguma festa e daí começa a chover outros convites, inexplicavelmente, para o mesmo dia e para a mesma hora. Atordoados, vemos as horas passando. Sem avisar. Sem pedir. A vida está passando. Estamos sempre correndo e é difícil termos um momento para descansar.

Se hoje é segunda, logo será quinta. Pulamos carnaval de manhã e fogueira de São João à noite. Não sentimos mais o Natal chegando, nem o fim do ano. Nem as horas passando, nem as semanas passando, nem os meses passando, nem os anos passando. Na contradança, a vida vai acabando.

Às vezes tenho a impressão que estamos em um grande treinamento cósmico e oculto. É como se tudo fosse uma imensa fecundação. Uma competição onde somente os vencedores chegarão. Eles terão sucesso em suas vidas. Seus sites terão muitas visitas. Suas empresas terão lucros e eles sobreviverão em um novo tempo onde não haverá estresse, nem neuroses, nem psicoses e, com certeza, nem impressões sobre conspirações tolas como esta.

Para chegarmos a este limbo imaginário, faz-se necessário sermos paradoxais. Temos que ser simples, humildes e ao mesmo tempo, geniais e poderosos. Sermos tementes sem sermos fanáticos. Falar a grandes distâncias sem gritarmos, e abrir largos espaços sem arrombarmos portas.

Temos de ser parecidos com o Sol: Poderoso para sustentar um sistema planetário e ao mesmo tempo delicado para beijar uma pétala de flor. Essas coincidentes cenas neuróticas do cotidiano, que sempre parecem divertidas depois que destroem um pouco da nossa sanidade, acabam nos proporcionando desde uma certa agitação interna até um anunciado e previsível descontrole emocional.

Para quem não tem fé nem um objetivo mais amplo, só de pensar dá vertigem. Para quem crê em Deus, basta confiar Nele e em si mesmo e tudo dará certo no final.

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