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Autor:
Everton Pinheiro de Souza Gonçalves
Qualificação:
Risk-Manager & Economista-Chefe do Banco BNL no Brasil.
E-mail:
[email protected]
Data:
11/09/03
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Vocação para Sísifo

Segundo a mitologia grega, após praticar toda sorte de torpezas, Sísifo, rei de Corinto, foi condenado por Zeus a empurrar eternamente uma enorme pedra até o cimo de uma montanha. Ao chegar lá, a pedra rolava pela encosta e Sísifo tinha de transportá-la novamente ao cume. Assim, "O trabalho de Sísifo" tornou-se penoso, repetitivo e inútil. A referência faz-se pertinente ao se analisar a incapacidade da economia brasileira em manter taxa de juros real adequada à promoção do crescimento econômico.

Em busca de credibilidade e de forma a estancar a "hemorragia inflacionária", o governo promoveu forte aperto fiscal e monetário. O setor público acumulou, no primeiro semestre do ano, cerca de R$ 40 bilhões. Isto representou o maior superávit primário da história e superou em R$ 5,5 bilhões o número acordado com o FMI. A austeridade monetária, com manutenção de juros elevados e o aumento do compulsório no início do ano, propiciou redução significativa da inflação corrente e, conjuntamente com a apreciação cambial, ajustou as expectativas inflacionárias à meta de 2004. O sucesso, porém, exige custos da sociedade, com a retração da atividade econômica e o aumento do desemprego.

Contudo, quando tudo favorecia a flexibilização das políticas monetária e fiscal e a retomada do crescimento, a pedra volta a ameaçar despencar ladeira abaixo. Mal chegado ao topo, as agências de risco e determinados analistas econômicos destacam que, pelo impacto inflacionário, a volatilidade do câmbio não permitirá, no curto prazo, uma política monetária muito mais agressiva. Reforçam, ainda, que a redução das expectativas de crescimento tornam o Brasil vulnerável por causa do tamanho e perfil das suas dívidas interna e externa, como se depois de todo o arrocho isso fosse possível. Esta ameaça ficou evidente no início de agosto, quando houve abrupta deterioração na percepção de risco.

Naquele momento, a melhor perspectiva para a economia americana

provocou forte realocação dos portfólios e um redimensionamento nas expectativas quanto ao Brasil. Os juros dos treasuries alcançaram níveis bem mais elevados, provocando queda de preços dos principais papéis dos países emergentes e apreciação do dólar em relação às moedas mais fortes. Os efeitos políticos e a tensão social passaram a ser superdimensionados e, subitamente, o otimismo transformou-se em pessimismo. Houve, na verdade, um fechamento maciço de posições, com realização de resultados e diminuição das exposições. Criou-se um processo instável, independente dos "fundamentos" e com os agentes se comportando como "manada".

Esse movimento é característico dos mercados, sempre sujeitos a surtos de euforia e pessimismo. Inicia-se com otimismo, muitas vezes exagerado, e, de repente, há uma mudança no humor, as expectativas são invertidas rapidamente e os preços dos ativos caem. O ânimo dos investidores dificilmente pode ser demovido e há indisposição em sustentar os ativos e esperar a maturação da política macroeconômica. De nada adiantam os números e evidências. Qualquer motivo vale para desfazer as posições. Este movimento é recorrente na economia brasileira. Repetiu-se diversas vezes nos últimos anos, com a intermitência entre meses de tranqüilidade, com crescimento econômico moderado, e ciclos de pessimismo exacerbado, com forte depreciação cambial e escassez no crédito externo, o que produz aceleração inflacionária e obriga o governo a elevar os juros e contrair a atividade econômica.

O movimento que ganha cada vez mais destaque na comunidade econômica é a percepção da ineficiência do modelo de crescimento para os países emergentes com base no endividamento externo. Na maioria dos países, a utilização da poupança externa aumentou ligeiramente a formação bruta de capital e não produziu crescimento econômico adequado. Grande parte das divisas foi canalizada para o consumo e a parcela de juros e dividendos pagos em relação às exportações cresceu. A manutenção da taxa de juros elevada para garantir o influxo de capitais e equilibrar o balanço de pagamentos produziu o crescimento da dívida interna, a redução nos investimentos e, finalmente, uma retração da atividade econômica.

A estratégia que conjuga endividamento externo, principalmente com o aporte de capitais de curto prazo, e a construção da credibilidade está esgotada. Se é verdade que "capital bom", de longo prazo, é sempre precedido pelo "capital especulativo", nada garante que o mesmo possa gerar um círculo virtuoso, atraindo o investimento direto estrangeiro. A alavancagem do crescimento via endividamento não deu e nunca dará certo, não por insuficiência de reformas, mas porque, como Zeus, o capital volátil sempre estará insatisfeito e demandará mais e mais esforços que produzam um novo choque de credibilidade. Será que a vocação do País é seguir a maldição de Sísifo?

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