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Autor:
Ruy Martins Altenfelder Silva
Qualificação:
Advogado e presidente do Instituto Roberto Simonsen.
E-Mail
[email protected]
Data:
11/04/03
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O Mandato é do Partido

Numerosos vereadores e deputados federais e estaduais têm-se utilizado, há muitas eleições, da omissão da legislação eleitoral para infringir um dos mais importantes princípios éticos da democracia: a fidelidade partidária. Ao trocar de legenda após ser eleito, muitas vezes antes sequer do início da legislatura, o parlamentar comete um ato de desrespeito aos cidadãos que nele votaram. Afinal, as eleições às câmaras municipais, assembléias legislativas e Câmara Federal são proporcionais, e o coeficiente é baseado no número total de votos de cada partido.

Sabidamente, há agremiações cujo coeficiente eleitoral é muito mais baixo do que outras. Assim, é muito cômodo eleger-se por um partido e, depois, transferir-se para outro, num processo suscetível ao jogo de interesses pessoais e de grupos, tráfico de influência e negociações nem sempre transparentes à sociedade. Considerando que o candidato tenha cumprido todos os requisitos e ritos legais, sua campanha terá sido bancada pelo partido, com o dinheiro das doações de empresas e instituições, conforme as normas da Justiça Eleitoral; o horário da propaganda gratuita nos veículos de comunicação &Mac247; contribuição compulsória da iniciativa privada e, portanto, da sociedade ao processo eleitoral &Mac247; é dos partidos; o discurso programático, em tese a base da escolha dos eleitores, baseia-se na ideologia e plataforma de cada partido.

Assim, é inadmissível a troca de legenda antes de se esgotar o mandato legislativo para o qual o parlamentar foi eleito. Ao ser omissa nesse aspecto, a atual legislação permite que se subverta um dos mais importantes princípios da democracia, a força e a legítima figura do partido como representante de segmentos da sociedade e de todas as tendências ideológicas abrigadas no universo populacional. Legendas de aluguel, políticos sem ideologia e, portanto, sem compromisso com quaisquer eleitores, negociação sem constrangimentos de cargos e outras práticas fisiológicas são o subproduto de uma legislação pouco alinhada às metas de desenvolvimento material, social e humano desta Nação.

O governador Mário Covas, reserva moral da política brasileira, defendia de maneira ferrenha a tese de que "o instituto da fidelidade partidária é uma necessidade absolutamente indispensável". E justificava: "Admira-me muito que tenhamos eleições proporcionais para as casas legislativas e, ao mesmo tempo, não tenhamos um instituto de fidelidade partidária extremamente rigoroso, porque o sentido da distribuição da eleição proporcional é exatamente o de conferir o mandato ao partido e não ao candidato".

Claro que Covas estava coberto de razão! Por exemplo: como pode um deputado eleito por um partido que defende a liberalização das leis trabalhistas transferir-se para uma legenda que advoga a manutenção de normas conservadoras para a mesma matéria? Não são raras as ocasiões em que a dança das cadeiras no Parlamento modifica radicalmente a votação de uma lei de grande interesse da sociedade. Como ficam os eleitores prejudicados pela decisão do Congresso, ao verem o parlamentar que elegeram votando contra o discurso do partido pelo qual foi eleito? Este exemplo torna muito clara a gravidade da infidelidade partidária, um problema a ser solucionado com urgência.

Na presente Legislatura, iniciada em 1º de fevereiro, exemplos como os acima citados deverão repetir-se à exaustão, considerando as trocas de legendas verificadas após as eleições e até a véspera da posse. E o Congresso Nacional tem atribuições particularmente importantes, pois deverão ser realizadas as reformas necessárias à adequação do arcabouço legal brasileiro, cuja postergação seria intolerável a esta altura, 15 anos após a promulgação da Constituição de 88. Assim, não há qualquer exagero em afirmar que a reforma política, começando pelo instituto da fidelidade partidária, é tão urgente e importante para a Nação quanto a previdenciária, tributária, a fiscal e a trabalhista. Então, por que não implementá-la?

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