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Autor:
José Matias Pereira
Qualificação:
Professor-Pequisador do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília.
E-Mail
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Data:
13/02/04
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Tributação e Cidadania

A análise dos grandes episódios que marcaram a evolução da humanidade nos últimos séculos permite-nos constatar que a história da tributação no mundo se confunde com a própria história da civilização. O termo “tributo” foi utilizado, originariamente, para designar as contribuições em ouro,escravos, ou sob qualquer modalidade que, nas guerras, o povo vencido, emsinal de dependência, pagava ao vencedor, o que corresponde às atuais reparações de guerra. Numa fase mais recente da história passou a designar contribuições exigidas dos próprios súditos para custeio das atividades do Estado. A expressão é empregada na constituição brasileira de forma genérica (art. 145), compreendendo todas as prestações em dinheiro, arrecadadas compulsoriamente pela União, Estados e municípios, destinadas à manutenção dos serviços públicos.

A imposição da necessidade de votar uma lei orçamentária foi uma das razões que justificaram a criação dos parlamentos modernos, que teve início com a outorga da Carta Magna inglesa, pelo monarca John Lackland (João Sem Terra), editada em 1215 por pressão dos nobres ingleses contra o despotismo da coroa. Foi ela que inspirou a Declaração de Direitos (Bill of Rights), em 1689. Ambos os fatos históricos tiveram sua causa no excesso dos impostos cobrados pelo monarca inglês de seus súditos.

O período de sublevação política que teve início na França em 1789 e que continuou até 1815, baseada em princípios liberais, democráticos e nacionalistas, tem suas origens no poder absoluto do monarca francês que não podia, pelo menos teoricamente, sofrer limitações. A assembléia que representava a nação &Mac246; os Estados Gerais&Mac246;composta pela nobreza, clero e o denominado Terceiro Estado, ou seja, daqueles que não pertenciam às duas primeiras classes, desde 1614 não era convocada. O poder real apoiava-se apenas na nobreza e no clero. A falta de unidade administrava na França permitia a distorção na cobrança dos impostos, que variavam de província para província, e cada uma destas mantinha suas próprias instituições e leis. A desorganização fiscal e os gastos supérfluos refletiam-se pesadamente nas finanças públicas. É perceptível que, as dificuldades financeiras vividas pela monarquia francesa, que buscava resolver o problema por meio da imposição de novos tributos, foi uma das principais causas da Revolução Francesa.

A guerra de independência dos Estados Unidos contra a Inglaterra também teve, entre outros motivos, fundamento nas imposições tributárias da metrópole, como por exemplo, a Lei do Selo de 1765. O citado imposto sobre documentos que deveria ser pago em ouro ou prata tinha como propósito diminuir o volume de dinheiro em circulação e dificultar o comércio das colônias norte-americanas. Nasceu desses embates, entre as treze colônias e a Inglaterra, a Declaração da Independência Americana, aprovada no segundo congresso continental, na Filadélfia, em 4 de julho de 1776. Registre-se que, a autorização para orçar os gastos, criar tributos e tomar empréstimos foi concedida pela constituição norte-americana de 1787 ao Congresso daquele país, que, entretanto, delegou em 1789, ao recém criado Departamento do Tesouro a responsabilidade de preparar e relatar estimativas das receitas e despesas públicas.

No Brasil, na fase colonial, tivemos a Inconfidência Mineira em 1789, que teve como pano de fundo o inconformismo dos habitantes de Minas Gerais pela excessiva tributação imposta pela coroa portuguesa em relação à produção de ouro naquela região (Kenneth Maxwell, Conflicts and conspiracies: Brazil & Portugal, 1750-1808). A revolta liderada por Tiradentes seria deflagrada com a derrama, ou seja, a cobrança da dívida, que deveria ser paga em ouro, e que se encontrava em atraso desde 1762.

Constatamos, assim, que da assinatura da Carta Magna inglesa em 1215 até a fase contemporânea, foram necessários muitos séculos de lutas para que a humanidade pudesse beneficiar-se de uma tributação mais justa, com aplicação de um sistema que respeitasse os princípios gerais de Direito das funções do Estado sem onerar o contribuinte além de sua capacidade. Esses esforços foram decisivos para a evolução do direito natural clássico, impulsionado pelas teorias de Hobbes e Spinoza influenciada pela religião -, da separação dos poderes de Montesquieu, e da soberania popular e da democracia de Rousseau, entre outras. A conquista do princípio da capacidade contributiva passaria a integrar a formação de todos os modernos sistemas tributários, inclusive o do Brasil.

Devemos ressaltar, por fim, que a criação de um sistema tributário que atenda ao princípio político de promover o desenvolvimento econômico e social, ainda está sendo construído no Brasil. A incipiente reforma tributária realizada pelo Congresso Nacional em 2003, apesar das expectativas que gerou, pouco contribuiu para aperfeiçoar o sistema tributário do país. Isso irá exigir que sejam propostas novas alterações constitucionais nos próximos anos, com vista a tornar a economia e o sistema produtivo mais competitivo. Nesse sentido, é fundamental que a sociedade organizada esteja atenta e mobilizada para debater e participar ativamente dos temas que envolvam mudanças na área tributária. A responsabilidade do contribuinte não termina com o pagamento do tributo. O efetivo exercício da cidadania vai muito além do cumprimento desta obrigação, que requer, entre outras posturas, uma permanente vigilância dos seus representantes no parlamento, e em particular dos governantes, cuja tendência histórica na condução da política fiscal brasileira tem sido a opção pelo aumento das receitas, por meio da criação de novos tributos (Matias Pereira, 2003). É dessa forma que os contribuintes brasileiros irão impor limites ao Estado, no que se refere à comprovada e incessante voracidade das três esferas de governo - União, Estados e municípios -, para elevar as suas respectivas arrecadações tributárias.

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