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Autor:
Ruy Martins Silva Altenfelder
Qualificação:
Advogado e presidente do Instituto Roberto Simonsen.
E-mail:
[email protected]
Data:
14/08/03
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Ironia Legislativa

O recente estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), demonstrando que a renúncia fiscal e os subsídios significam perda anual de R$ 40 bilhões para o governo, transforma em ironia legislativa itens da proposta da emenda constitucional da reforma tributária que impliquem eventualmente em aumento de impostos. Quem se dá ao luxo de abrir mão de receitas importantes para o atendimento às prioridades da saúde, educação e segurança, dentre outras do setor público, com a meta precípua de atrair investimentos para sua jurisdição, não pode exigir que esta conta seja paga genericamente por toda a sociedade.

Subsídios e incentivos fiscais são as mais anacrônicas estratégias para atrair investimentos. Claro que, num primeiro momento, até surgem resultados, com a instalação de empresas interessadas na isenção de um ou outro imposto ou na pretensa competitividade suscitada por determinados subsídios. Este é o cerne da chamada guerra fiscal, que tantos prejuízos tem causado ao Brasil, em alguns casos até no tocante à credibilidade.

Imaginem o presidente e todo o board de uma grande corporação de padrão mundial que, após investirem tempo, dinheiro e energia na realização de complexa análise de localização de um investimento, recebam oferta de total isenção de impostos, terreno gratuito e parte do financiamento a fundo perdido, de um chefe de Executivo, seja municipal ou estadual, de região diametralmente oposta à indicada tecnicamente pelo estudo. Como o capital, mesmo o produtivo, sempre vislumbra as oportunidades, as vantagens embutidas na copa do chapéu estendido serão confrontadas com as apontadas no estudo técnico. Vencerá a melhor relação custo-benefício. O País, porém, perde, pois se cria nos empreendedores o hábito de "leiloar" fábricas e projetos de distintos setores.

Em decorrência desse problema, há numerosas distorções e efeitos colaterais. Nem sempre uma cidade, Estado ou região tem vocação, inclusive climática e geográfica, para abrigar determinadas atividades produtivas. A instalação de uma fábrica, por exemplo, tem implicações no meio ambiente, saneamento básico e infra-estrutura em geral. Além disso, o imposto não arrecadado em uma ponta terá de ser cobrado em outra. O mesmo ocorre com o dinheiro aplicado na concessão de subsídios, que não brota em árvores. Alguém — normalmente a sociedade — paga a conta, além de arcar, muitas vezes, com a queda da qualidade dos serviços públicos, decorrente da perda tributária. Por isso, é muito louvável a atitude corajosa dos governantes que disseram não à guerra fiscal.

É fundamental que o Brasil, a despeito de suas dimensões territoriais, diversidade cultural e geográfica, tenha regras e normas iguais no setor tributário. Não se pode pagar uma determinada alíquota de ICMS para um produto em Minas Gerais e outra no Rio Grande do Sul, por exemplo. Assim, estará fadada ao fracasso qualquer proposta de reforma tributária omissa na adoção de mecanismos legais que impeçam a guerra fiscal.

Além disso, há outra lição de casa imprescindível para que tenhamos, finalmente, um sistema tributário eficaz, racional, menos oneroso para a sociedade e capaz de suprir o setor público com o montante de recursos necessário ao cumprimento de suas missões e responsabilidades: um grande orçamento nacional, com indicações claras das prerrogativas e deveres da União, Estados e Municípios na gestão da receita e sua aplicação nos distintos programas, projetos e investimentos dos três níveis governamentais. Sem organizar esse emaranhado em que se transformou o fluxo dos recursos públicos, o desperdício — ao qual incorporam-se os subsídios e renúncias fiscais — continuará tornando os impostos sempre insuficientes para o Estado e cada vez mais onerosos para os setores produtivos.

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