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Autor:
Miguel Ignatios
Qualificação:
Presidente do Conselho Deliberativo da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB).
E-Mail
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Data:
15/01/02
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Argentina e Evita vivem

Finalmente, na semana antes do Natal, o povo argentino resolveu deixar de ser espectador passivo de um "tango", cujo final trágico todos já anteviam, e resolveu entrar em cena para mudar seu enredo e desfecho. Exigiram a renúncia dos vilões – o ex-presidente De la Rúa e o ex-todo-poderoso Cavallo, mal assessorados por tecnocratas oniscientes do FMI – e voltaram a dar esperança ao país, afundado em meio a uma crise recessiva, que já dura mais de três anos.

A onda de saques e de protestos, iniciados nas províncias mais pobres, expandiu-se gradativamente, da periferia para o centro, até atingir Buenos Aires. Cansados de pagar a conta por erros sucessivos de seus governantes, e como que guiados pela lembrança de Evita Perón, a mãe de todos os pobres argentinos, o povo organizou-se e, mais uma vez, mudou a história.

Política e economia nem sempre andam juntas, mas não podem ficar separadas por muito tempo, caso contrário, o descompasso entre elas acaba fatalmente evoluindo para uma crise de governabilidade. Foi assim no país vizinho e será assim em qualquer outro que apostar todas as suas fichas na tecnocracia apátrida, cega e insensível do FMI.

Por mais que os "profetas" da falsa modernidade insistam em tentar destruir a imagem de grandes líderes políticos do passado, chamando-os de demagogos, caudilhos, populistas e paternalistas, como, por exemplo, Getúlio Vargas, o pai dos pobres; e Evita Perón, o que os mantêm vivos no imaginário popular é a falta de solução para os problemas e não apenas os respectivos carismas. Essa é uma lição que os atuais governantes teimam em esquecer.

Fique claro que, com isso, não estou defendendo a volta do populismo e de suas mazelas.

Passado o pior, os argentinos devem estar se perguntando por que motivo não se rebelaram antes. E talvez estejam pensando, como diz um dos tangos mais populares do país – Chorra – ,"lo que más bronca me dá és haver sido tan gil", o que traduzido do lunfardo, uma gíria portenha que mistura o espanhol com o jeito de falar do italiano, quer dizer o seguinte: "o que me deixa mais bronqueado é ter sido tão otário".

Mas, deve estar se perguntando o leitor, qual foi o motivo que levou a população a apoiar por tanto tempo a paridade dólar-peso, adotada em 1991, sob o governo Menem, pelo próprio Cavallo? É simples: salários e pensões eram pagos em pesos e aluguéis, prestações e demais compromissos eram pagos em dólares.

Obviamente por ter mais credibilidade, a moeda americana foi poupada pelos mais ricos e investida com retorno em dólares, enquanto os mais pobres não tinham nada para investir. Tal situação levou a paridade entre dólar e peso, semanas antes das ondas de saques, de acordo com levantamento, realizado por banqueiros, à paridade real de um peso ser igual a 0,22 dólar, ou seja, a moeda Argentina passou a valer um quinto de um dólar.

O presidente provisório do país, Adolfo Rodriguez Saá, eleito pelo Congresso, para um mandato-tampão até março, renunciou uma semana depois de eleito por falta de apoio político e com isso abriu caminho para seu colega de peronismo, Eduardo Duhalde, confirmado pelo Congresso para concluir o mandato de Fernando De la Rúa, que se encerraria em 2003.

Duhalde pôs fim à sandice megalomaníaca, que manteve a Argentina "cega" por quase 11 anos: acabou com a paridade entre dólar e peso e, provisoriamente, adotou o câmbio duplo. A finalidade dessa manobra foi evitar a desvalorização descontrolada do peso e, ao mesmo tempo, tentar manter o patrimônio em dólares dos grandes investidores estrangeiros.

Além disso, consta das medidas propostas por Duhalde e seus ministros, já debatidas e aprovadas pela Câmara e Senado argentinos, a transformação de contratos e de aluguéis firmados em dólares para pesos, na proporção de um dólar igual a 1,40 peso.

Talvez a mais importante de todas as medidas tenha sido a declaração feita por Eduardo Duhalde, em seu primeiro pronunciamento como presidente da República. Ele disse de forma simples e direta: "A tradicional aliança do Estado com o setor financeiro do país está encerrada". Espera-se agora que o lugar dos bancos venha rapidamente a ser preenchido pelo setor produtivo.

Como não poderia deixar de ser, a diplomacia brasileira, liderada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, está intermediando os contatos da Argentina com organismos multilaretais de crédito, como o FMI, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, dentre outros.

Um exemplo concreto de solidariedade regional!

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