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Autor:
Everton Pinheiro de Souza Gonçalves
Qualificação:
Risk-Manager & Economista-Chefe do Banco BNL no Brasil.
E-mail:
[email protected]
Data:
15/08/03
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Competência e Ousadia

A partir do final de 2002, com a volta da ameaça inflacionária, qualquer decisão na esfera monetária passou a despertar polêmica. Se tímida para o lado real da economia, a última redução em 50 pontos na taxa de juros básica produziu inicialmente um forte ceticismo na maioria das análises do mercado financeiro, que, de forma geral, sempre requeriam maior cautela na expectativa de uma sinalização mais efetiva da convergência da inflação para a trajetória desejada pelo Banco Central.

E, o que é pior, muitos viam a decisão como contrapartida à pressão política da sociedade. Isto, indubitavelmente, poderia representar uma leniência com a volta da inflação. Dessa forma, a postura mais conveniente, naquele momento, seria a manutenção da taxa de juros, reforçando o compromisso do governo com a estabilidade de preços e consolidando a imagem de austeridade e competência.

Havia, então, uma preocupação com o comportamento dos núcleos de inflação e a inércia inflacionária. De fato, a maioria das medidas apresentavam quedas expressivas, exceto o núcleo computado por médias aparadas suavizadas. Ao carregar reajustes passados de preços administrados, esse indicador, utilizado também pelo Banco Central, minimiza o peso das informações mais recentes, introduzindo uma rigidez desnecessária. Tal ferramenta, ao contrário dos métodos não suavizados e expurgados, poderia subestimar as pressões desinflacionárias motivadas pela forte apreciação cambial e pela demanda interna reprimida, expressas inicialmente nos IGPs.

Hoje a tendência cadente para inflação é inquestionável, como mostram os diversos índices de preços ao consumidor de junho ( - 0,15% no IPCA, - 0,16 % no IPC-Fipe, - 0,06% no INPC e &Mac246;0,16% no IPC do IGP-DI), demonstrando que aquela opção foi correta. Com isso, sinalizou-se uma reversão nas expectativas e reduziu-se as despesas financeiras do Tesouro.

Na fé que os benefícios de longo prazo superariam os custos da momentânea desaceleração econômica no curto prazo, o discurso tecnicista da competência e austeridade evoca pelo conservadorismo na redução na taxa de juros. Contudo, por mais que seja desejada a independência dos Bancos Centrais, em qualquer lugar do mundo,as decisões de política monetária não envolve apenas técnica, mas sim também questões políticas. Não só pelas limitações da chamada racionalidade econômica, expressa usualmente em modelos matemáticos e estatísticos, mas principalmente pelo fato que a condução da política monetária tem implicações assimétricas na sociedade.

Assim, a eficiência do Banco Central deve sim ser medida pela estabilidade da moeda e, de forma não menos importante, pela minimização dos custos para obtê-la. Para tanto, algumas vezes é necessário um pouco de coragem e ousadia.

Até o momento, os custos para estancar a hemorragia inflacionária são relativamente brandos. A recessão não está concretizada, embora o IPEA projete que o PIB caia também no segundo trimestre. Dessa forma, corre-se o risco que a persistência de uma posição cautelosa poderá implicar em custos sociais e políticos excessivos que diminuirão os graus de liberdade do governo na aprovação das reformas econômicas.

A divulgação de resultados positivos na inflação corrente, a apreciação do real, melhores projeções para a variação dos preços administrados e a política monetária apertada produziram uma queda significativa das expectativas inflacionárias. Assim, desde a última reunião do Copom, as estimativas inflacionárias para os próximos doze meses se reduziram em aproximadamente 100 pontos. A grosso modo essa queda permitiria uma redução equivalente na taxa Selic, aliás como já reflete o mercado futuro de taxa de juros.

De maneira acertada, o Banco Central deixou de calibrar a política monetária para alcançar a meta de inflação para 2003. Com as preocupações voltadas para 2004, o relatório de inflação aponta que com uma taxa de câmbio de 2,85 reais por dólar e uma taxa de juros em 26%, o IPCA projetado para 2004 seria de 4,2%. Caso seja assumida a trajetória da média de mercado para as taxas de câmbio (R$ 3,2 para o final de 2003 e R$ 3,5 para 2004) e juros para o mesmo período (21,8% e 16,8%), a projeção indicaria uma inflação de 6%, índice não muito distante do centro da meta de 5,5%.

Vê-se dessa forma que a taxa de juros se encontra em um nível evidentemente elevado. Modelos semelhantes ao utilizado pelo Banco Central indicam as projeções inflacionárias são pouco impactadas por quedas entre 50 e 200 pontos. Com as expectativas inflacionárias para 12 meses caindo em um ritmo mais rápido que a taxa nominal, a taxa real de juros (ex-ante) continua oscilando entre 13 e 14% ao ano, o que representa um patamar extremamente elevado.

Assim, a redução em apenas 100 pontos poderá significar uma cautela excessiva, ratificando o cenário atual, e poderá no futuro impingir um custo desnecessariamente elevado à sociedade. Talvez, não fosse o momento de um pouco de ousadia?

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