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Autor:
Miguel Ignatios
Qualificação:
Presidente da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) e da Fundação Brasileira de Marketing (FBM).
E-Mail
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Data:
16/04/01
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O pecado original

Aos poucos, o IBGE tem divulgado os dados do Censo do ano passado que vão se encaixando até formarem o "quebra-cabeças" chamado Brasil. Na primeira semana de abril, ficamos sabendo que o País evoluiu bastante ao longo da última década. No geral, os indicadores sociais melhoraram: a mortalidade infantil caiu, a expectativa de vida aumentou, o analfabetismo decresceu, as matrículas escolares e o tempo médio de permanência nos estabelecimentos de ensino registraram excelentes desempenhos. Até mesmo o rendimento médio passou de R$ 402,45, em 1992, para R$ 525,10, em 1999, com inflação controlada.

Tal "retrato" do País, devidamente "retocado", pode perfeitamente servir de "cartão postal" para atrair o investidor estrangeiro, mas não consegue esconder as graves carências, que passam quase despercebidas numa seqüência de boas notícias que formam um "baralho" otimista. Porém, uma leitura mais atenta de tais dados permitirá ao analista algumas conclusões críticas. A principal delas refere-se ao "pecado original" da concentração da renda, único indicador importante que cresceu ao invés de diminuir. A evasão escolar continua alta e o saneamento básico, embora tenha aumentado, está longe da média dos países desenvolvidos.

O nível de concentração da renda numa década de indicadores positivos expõe o lado pobre da "Belíndia", neologismo inventado pelo economista e ex-ministro Mário Henrique Simonsen, para designar um país - como o nosso - , formado por uma metade rica, a Bélgica; e outra miserável, a Índia. Em palavras mais simples, a porção Índia vem crescendo bem mais rapidamente do que a porção Bélgica. E isso, num contexto de desemprego, embora decrescente; de violência urbana e de informalidade, ainda em alta, preocupa.

É claro que a década não foi de total crescimento. Ao contrário, excetuados os dois primeiros anos do Plano Real e o ano 2000 - o melhor do período - , os demais foram anos medíocres, em que o crescimento do PIB, se é que houve algum, foi bem menor do que o da população. Esse fato por si só talvez explique o crescimento no nível de concentração de renda na década. Afinal, foram sete anos de estagnação ou recessão contra apenas três de crescimento acima da inflação.

Os dois retratos do País, que emergiram do Censo, parecem dar razão ao governo, quando ele diz que os investimentos que vêm sendo feitos em educação resultarão em aumento salarial médio, para a população mais pobre, de nada menos do que 40%. Mas, obviamente, para que isso se torne realidade, serão necessários mais dez anos.

À primeira vista, o discurso do governo parece lógico.
Quanto à prática, como sempre, deixa a desejar: será que manter, por seis longos anos, a tabela de deduções do Imposto de Renda sem correções, ajuda a desconcentrar a renda?
Uma última questão a ser debatida é o papel que devem desempenhar empresários, classe média e trabalhadores para somar-se aos esforços do governo, principalmente em educação, com a finalidade de desconcentrar, o mais rápido possível, a renda nacional.

O caminho mais conseqüente me parece ser o do engajamento total desses setores na continuidade das reformas, a favor da transparência nas relações entre políticos e eleitores e no combate, sem tréguas, à corrupção e a todo tipo de desperdícios.

Além disso, o empresariado deveria, como, aliás, boa parte dele já vem fazendo, aproveitar o fato de 2001 ser o ano do voluntariado para aumentar ainda mais a sua atuação na área social.
É um investimento com retorno garantido e em prazo curtíssimo.


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