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Autor:
Eduardo Wyllie
Qualificação:
Fundador do E-Consultancy Workgroup
E-mail:
[email protected]
Data:
16/08/03
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Quem Controla o Controle?

A empresa em que Tom trabalha foi vendida para uma corporação internacional e, antes mesmo da dança das cadeiras, ou seja, dos cargos, fizeram uma reforma na estrutura organizacional a partir da qual os antigos funcionários já não sabiam mais quem eram, se é que algum dia souberam.

Uma mudança não menos radical foi feita na arquitetura das instalações. Mudaram a cor, mudaram a iluminação, mudaram até algumas janelas de lugar e, segundo Tom, tudo parecia ter um motivo, ou melhor, tudo parecia precisar ter algum motivo para ser feito. Muita teoria, muito raciocínio em cima de cada ação simples como a escolha da cor das letras anunciando o nome da seção, divisão ou seja lá qual fosse o nome das novas caixinhas no organograma.

Mas que caixinhas? Parece que até isso mudaram, agora desenham o organograma com círculos dentro de outros círculos, não tem mais nenhuma linha reta!!!

- Acho que estão é querendo nos enrolar - disse Tom - mas o que mais chamou atenção de todos foi a instalação de uma porta de vidro isolando cinco salas do terceiro andar onde se pode ler em letras azuis, sabe-se lá por que motivo escolheram esta cor, a expressão: Controladoria-Geral. Parece que agora teremos ainda mais caciques para os poucos índios, disse ele a um colega mais velho, que retrucou:

- Que nada, essa tal de controladoria serve é para controlar a gente, uma espécie de Big Brother empresarial para garantir que não estamos embromando no serviço ou roubando...

E foi com uma mistura dos dois pontos de vista em mente que eles foram assistir ao ciclo de palestras que precedeu de uma semana a chegada dos novos diretores.

- Enquanto a humanidade ainda não havia se organizado socialmente &Mac246; disse o primeiro palestrante - quando a família era a única instituição social, não havia necessidade de órgãos de controle. A mãe cuidava dos filhos e o pai caçava e colhia à medida da necessidade. Se algo desse errado, imediatamente a família saberia, e a solução era, via de regra, buscar aleatoriamente terras mais férteis. As informações necessárias para facilitar suas vidas ainda sequer existiam, pois os seres humanos não conheciam a geografia da Terra, e quem gerenciava a caça e a coleta era o próprio caçador/coletor.

Logo surgiram as tribos, mas todas as informações necessárias continuavam ao alcance dos olhos de quem gerenciava, dispensando, portanto, a criação de órgãos de controle.

Um dia, entretanto, a esfera de poder de um chefe tribal se tornou maior que o alcance de seus sentidos. Ele precisava tomar medidas para resolver problemas que estariam ocorrendo em povoados distantes, mas não sabia que tais problemas estavam acontecendo e nem se aquilo que havia determinado estava sendo implementado. Foi então que surgiu a necessidade de um órgão de controle; não para controlar, mas para colocar a autoridade gerencial a par do que se passava nos limites de sua área de poder.

A primeira instituição do gênero foi o mensageiro, que levava por toda parte informações das autoridades locais à autoridade central e vice-versa, o que possibilitou o crescimento das cidades à categoria de cidades-estado, posteriormente atingindo a dimensão de reinos. Mas nem tudo chegava aos ouvidos da autoridade central, apenas o que interessava aos chefes locais. Quanto maior o reino, mais mal informado era o Rei, o que, entre outras coisas, limitava seu poder de corrigir problemas que estariam ocorrendo longe de suas vistas.

Foram necessários muitos milhares de anos até que desenvolvessem o primeiro órgão de controle. Originalmente um grupo de pessoas designadas pelo Rei, desvinculados da hierarquia nobiliárquica e feudal, que ia aos confins de seus domínios buscar-lhe informações relevantes. Isto permitiu a ação efetiva da autoridade máxima do Estado sobre cada palmo de terra de seu território e, ampliado e combinado a uma rede de delegação de competências fundamentada em critérios de capacidade técnica e gerencial, permitiu o surgimento de impérios.

Nas grandes empresas, assim como nos estados modernos, ocorre o mesmo: só há condição de garantir a implementação das diretrizes gerais e de tomar conhecimento de falhas na implementação de projetos baseados em tais diretrizes a tempo de evitar maiores prejuízos através de uma Controladoria-Geral.

O palestrante, se dando por entendido, parou de falar e sorriu para a platéia. Então Tom levantou a mão e perguntou: E quem controla o controle?

O sorriso do palestrante amarelou. Ele tinha sido pego desprevenido. Resolveu então ganhar tempo para pensar no assunto pedindo maiores detalhes.

- Bem - disse Tom &Mac246; pelo que entendi, a controladoria busca basicamente verificar se cada unidade está funcionando conforme as determinações da autoridade central e se o resultado do que está sendo implementado está de acordo com o planejado. Isto é importante porque previne o risco de cada autoridade delegada fazer sua unidade caminhar num ritmo e direção diferente. Mas e se a controladoria não estiver funcionando como o Presidente da companhia espera? Se o controle sobre o controle é exercido por sua própria equipe, as informações a seu respeito que chegam aos ouvidos do Presidente não são comprometidas?

Não havia mais tempo, o palestrante precisava se pronunciar, mesmo sem saber o que pretendia a nova Diretoria, então respondeu:

- A Controladoria deveria estar ao alcance dos olhos da autoridade maior, exatamente para que ela possa controlá-la, mas tenho de reconhecer que sua atuação é descentralizada. É na ponta que se buscam as informações relevantes e são aqueles que vão a campo que relatam o que se passa lá. Talvez o Controlador-Geral seja enganado por informações tendenciosas que lhe chegam pelas mãos de seus delegados. O que podemos fazer a respeito?

Essa é boa, pensou Tom, isto foi o que eu perguntei...

Em meio ao silêncio, do fundo do auditório levantou-se uma mão enrugada. Para surpresa de todos, era o Presidente da corporação que adquiriu a empresa de Tom. Entrara sorrateiro, após iniciada a palestra, e observava o comportamento de seus novos subordinados.

- Só vejo uma forma &Mac246; disse o alto executivo &Mac246; de remediar tal situação. Olharei para cada membro da controladoria individualmente. Darei ouvidos a todos. São poucos diante do universo de funcionários de toda a holding... Onde quer que estejam, poderão me enviar diretamente suas impressões sobre o funcionamento da Controladoria-Geral. Não é um modelo aplicável a todas as unidades de uma organização deste porte, mas creio que deixando meu e-mail à disposição de cada funcionário da Controladoria, o controle que terei sobre ela será ainda mais perfeito que sobre qualquer unidade por ela auditada.

E concluiu pensando alto:

- Pois bem, se o controle levou à formação de impérios, quem sabe o controle sobre o controle nos leve a algo inimaginavelmente maior...

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