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Autor:
Jayme Buarque de Hollanda
Qualificação:
Diretor geral do INEE e diretor do Fórum de Co-geração e Geração Distribuída.
E-mail:
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Data:
16/09/03
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Chamem o Valadão!

Ao analisar o "Modelo Institucional do Setor Elétrico", colocado para consulta pública pelo Ministério das Minas e Energia, percebo, infelizmente que o texto segue uma tradição dos últimos anos onde a principal preocupação é detalhar soluções em vez de analisar os problemas de forma clara. Falo isso com a ótica do Instituto Nacional de Eficiência Energética, entidade preocupada em verificar se as medidas sinalizarão contra o desperdício de energia, tanto na geração quanto no uso da eletricidade.

Não entendi, por mais que tenha lido atentamente, o trecho que trata do "pagamento da RGR - Reserva Global de Reversão - por consumidores livres". Afinal, o que seria a RGR na nova proposta? O pensamento me transportou para a exposição de motivos do Código de Águas e Energia Elétrica, feito há mais de 70 anos, com um objetivo semelhante ao do documento atual, porém muito mais claro e com todas as premissas explicitadas.

Escrito pelo jurista Alfredo Valadão para atender ao pedido do Governo de modernizar o Código de Águas (que foi proposto em 1907, mas nunca aprovado pelo Congresso), o texto incluía, nesta revisão, um capítulo para tratar do uso da "força hidráulica das águas" para produzir e explorar a eletricidade. Assim nasceu o modelo do setor elétrico que esteve em vigência há até pouco tempo e que continua sendo uma referência.
Na época, a eletricidade era explorada, na maioria dos casos, por empresas estrangeiras que cobravam tarifas - estabelecidas em contrato - indexadas ao ouro. No código, Valadão propôs usar o modelo norte-americano em que a tarifa era calculada de forma objetiva para garantir uma receita igual ao "custo do serviço", ou seja, a soma das despesas correntes e a "justa remuneração do investimento".

Na exposição de motivos, Valadão argumenta que o serviço elétrico deve ser prestado pelo Estado. Reconhecendo que o Governo não tinha recursos para tanto, criou uma parcela adicional na tarifa equivalente a 3% dos investimentos da concessionária. Essa parcela representava um pagamento adiantado do Governo (com recurso dos consumidores, é claro) aos proprietários das empresas pela compra dos ativos. Com este mecanismo, origem da RGR, Valadão esperava "reverter" o setor ao Estado ao fim de 30 anos.

A lei só foi regulada em 1957, quando o capital privado não mais investia no setor elétrico e os governos federal e estaduais tinham assumido os investimentos na geração elétrica. Por estranho que pareça, a reversão foi embutida nas tarifas de todas empresas, inclusive na Chesf, Cemig e Furnas. Ou seja, uma taxa cuja base legal era a compra das empresas privadas, também passou a se aplicar às que já nasciam estatizadas. A RGR, assim, virou uma fonte de financiamento do setor elétrico e foi resistindo a todas, e não poucas, reformas do setor, sem que alguém se preocupasse em perguntar o quê? e a quem? estava sendo revertido o dinheiro. Além do nome, preservou-se a base de cálculo da RGR, onde a cobrança é feita tomando como base o investimento para prestar o serviço de eletricidade.

Agora, pela nova proposta, a RGR seria paga também pelo consumidor livre. O que não consigo entender, por mais que eu tente, é como será feita esta cobrança junto a um consumidor, o que será revertido e quem será o beneficiado.

Acho que este tipo de dificuldade decorre do tratamento hermético dado a esta e outras questões, como se este texto fosse ser apreciado por um público de meia dúzia de iniciados. Até pelo fato de termos tantas oportunidades competitivas de gerar energia junto aos consumidores - com alta eficiência e evitando desviar investimentos públicos em infraestrutura - é preciso mais do que nunca haver clareza nas propostas, considerando que muitos dos novos atores não têm como atividade fim gerar eletricidade.

Como dizia um antigo chefe meu, "prefiro respostas, ainda que eventualmente imprecisas, a uma pergunta bem feita às respostas precisas a uma pergunta mal feita!" Como muito mais textos virão, que Valadão, lá onde se encontra, inspire seus redatores!

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