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Autor:
Frederico José Straube
Qualificação:
Vice-Presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá e Advogado sócio titular de Straube Advogados
E-Mail
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Data:
17/10/01
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A Inadmissível Ingerência do Estado no Segmento de Flats, Apart-hotéis e Lotfs

Não se pode negar que a cada dia mais o Estado busca alternativas para coibir procedimentos que entende abusivos aos direitos do consumidor e aos direitos do cidadão em geral.

Entretanto, até mesmo esta atuação do Estado na esfera dos direitos privados deve encontrar os seus limites na Constituição Federal, sob pena de que sejam solapados os preceitos constitucionais que garantem ao Brasil o status de Estado de Direito.

Exemplo desta desmedida atuação do Poder Legislativo na esfera dos interesses privados está na recente aprovação pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo do Projeto de Lei nº 392/01, o qual, sem qualquer sombra de dúvida, destina-se a privilegiar os interesses da classe hoteleira, ainda que às custas da integridade dos preceitos constitucionais.

Isto porque este projeto de lei, o qual está aguardando sanção pelo Governador, pretende estabelecer uma série de restrições e de novas obrigações ao segmento de flats, apart-hotéis e lofts, as quais não apenas inviabilizarão a continuidade de operações destes residenciais, como também afetarão de modo substancial toda a cadeia de atividades que giram ao redor deste setor.

Em primeiro lugar, este projeto de lei define que são considerados como flats, apart-hoteis e lofts, todos os condomínios residenciais que não se destinem a moradia permanente, locando as suas unidades por prazos inferiores a trinta dias.

Após conceituar quais os residenciais que supostamente encontram-se por ele abrangidos, o citado projeto de lei estabelece a obrigatoriedade de que estes residenciais obtenham Alvará de Registro e Funcionamento junto à Secretaria de Esportes e Turismo do Estado, prevendo inúmeras e até mesmo inconstitucionais exigências a serem cumpridas para a sua obtenção.

Dentre estas exigências, não se pode deixar de destacar aquela que estabelece a obrigatoriedade de que estes residenciais apresentem prova de recolhimento de tributos federais, estaduais e municipais correspondentes aos que se sujeitam os hotéis.

Ou seja, o citado projeto de lei estabelece a obrigatoriedade de que os flats, apart-hotéis e lofts recolham todos os tributos que os hotéis recolhem, sendo certo que o recém-criado alvará de registro e funcionamento somente será concedido em face da apresentação da prova de pagamento destes tributos.

Com efeito, esta exigência é flagrantemente inconstitucional, uma vez que o ente estadual estaria criando obrigações tributárias para o segmento de flats que refogem à sua competência constitucional, uma vez que é sabido que os hotéis estão sujeitos ao recolhimento de impostos federais e municipais, donde estes são os únicos poderes constitucionalmente autorizados a legislar sobre estas figuras tributárias.

Não bastasse a exigência da apresentação de prova de pagamento destes tributos, o artigo 4º do citado projeto de lei estabelece claramente que estes residenciais devem sujeitar-se ao mesmo regime tributário a que estão sujeitos os hotéis, com o que se pretendeu efetivamente legislar sobre matéria que sequer é da competência estadual, numa clara usurpação de competências constitucionais.

Prosseguindo nas violações à Constituição Federal, o projeto de lei ora comentado estabelece uma inadmissível restrição em relação aos contratos de hospedagem a serem firmados pelos residenciais, ao prever a proibição de que os mesmos loquem as suas unidades por prazo inferior a trinta dias.

Esta proibição viola simultaneamente diversos princípios constitucionais, sendo certo que num primeiro exame afigura-se extremamente grave a violação por ela perpetrada à definição de competências estabelecida no texto constitucional, o qual prevê como competência privativa da União Federal legislar sobre direito civil e comercial, de modo que resta claro da leitura do dispositivo constitucional que o ente estadual não possuí competência para legislar acerca da temática.

Por outras palavras, o Poder Legislativo Estadual está legislando sobre matéria que é de competência privativa da União Federal, usurpando competência que não lhe pertence, donde somente esta constatação já é suficiente para macular definitivamente as pretensões do segmento hoteleiro paulista.

De outro lado, esta mesma proibição viola o princípio constitucional da livre iniciativa, uma vez que está criando uma restrição que praticamente aniquilará o segmento de flats, o qual não pode estar restrito a locações com prazos superiores a trinta dias, sob pena de que haja um verdadeiro desmantelamento desta atividade empresarial.

Há que se ressaltar que os efeitos deste colapso não serão sentidos apenas pelos proprietários de flats, apart-hotéis e lotfs, mas também por todos os segmentos geradores de empregos que estão ligados ao setor, com especial ênfase para as construtoras, incorporadoras, imobiliárias e administradoras, sendo certo que a crise que será instaurada somente virá a agravar o quadro de recessão que já acomete a nossa economia.

Desta forma, se a exposição de motivos desse projeto de lei ampara-se na idéia de preservar os empregos no setor hoteleiro, esta lei gerará um maciço desemprego no segmento de flats, apart-hotéis e lofts, além de comprometer a poupança da classe média, que procurou na aquisição de unidades destes residenciais um investimento seguro, com rentabilidade estável.

Ademais, há que se salientar que até mesmo a mencionada exposição de motivos contém afirmações que afrontam o texto constitucional, uma vez que se dá a entender que a construção, comercialização e locação destes residenciais constituem uma atividade nociva a ser devidamente obstada, intento este que se pretendeu ver alcançado com a aprovação do citado projeto de lei.

Apresenta-se a ausência de recolhimento dos tributos a que se sujeitam os hotéis como uma nocividade extremamente danosa à sociedade, sem se atentar para o fato de que são atividades distintas, e que estão sujeitas a modos diferenciados de tributação.

Ora, o desenvolvimento deste raciocínio conduziria ao entendimento de que todos os setores da atividade empresarial devem ser onerados com os mesmos impostos e alíquotas, sob pena de que uns fossem mais prestigiados em detrimento dos outros, sem se atentar para o fato de que a definição das incidências tributárias é feita pela Constituição, as quais serão aplicadas às empresas em razão da natureza das suas atividades, cabendo a cada empresário constituir e desenvolver as suas atividades com observância dessas normas jurídicas.

Por derradeiro, não se pode olvidar que este projeto de lei representa uma indevida restrição à liberdade contratual que deve vigorar entre as partes, a qual somente encontra limites na observância dos princípios constitucionais, não podendo a mesma ser suprimida em função de interesses econômicos, os quais não possuem qualquer amparo jurídico.

A verdade é que todo este projeto de lei, o qual foi surpreendentemente aprovado sem qualquer sorte de censura pela Comissão de Constituição e Justiça, que é o órgão encarregado de avaliar a sua constitucionalidade, representa uma inconstitucional ingerência do Estado dentro da atividade econômica, afrontando os princípios constitucionais da federação, da propriedade privada, da separação constitucional de competências e da livre iniciativa empresarial, com o que se impõe que estes vícios sejam reconhecidos pelo próprio Poder Legislativo Estadual, sob pena de que os mesmos tenham que ser decretados pelo Poder Judiciário.

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