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Autor:
Sergio Luiz Abrantes Lembi e Aimoré Freitas
Qualificação:
Vice-presidente de Locação do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo. Aimoré Freitas é Diretor de Locação do Secovi-SP
E-Mail
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Data:
19/07/02
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Superproteção dos Inadimplentes

Proprietários e administradores de imóveis não têm dúvida de que os índices de inadimplência de inquilinos, agravados com a morosidade do Judiciário na solução das ações de despejo, seriam a principal causa de desestímulo à locação. De fato, em São Paulo, uma ação de despejo por falta de pagamento dificilmente se resolve em menos de seis meses, o que aumenta muito o risco da atividade.

De quem é a culpa? A maioria dos representantes do Judiciário se justifica com argumentos incontestáveis, alegando que a insuficiência de juízes, funcionários, prédios e equipamentos, principalmente na área de informática, prejudicam demais a eficiência da instituição no julgamento das ações. Haveria necessidade de mais investimento público no setor.

Infelizmente, apenas mais verbas para a infra-estrutura humana e material do Judiciário não resolverão os seus problemas. O verdadeiro obstáculo, na verdade, está na inadequação de nossas leis processuais e na cultura retrógrada que as produziu e mantêm, a qual chamaremos simplesmente de "superproteção da inadimplência".

Essa cultura muito brasileira, há muito estranha nas sociedades mais avançadas, precisa ser revista com urgência. Felizmente, alguns magistrados mais avançados têm consciência disso e já compreendem que, além do mercado locação, todos os setores da economia dependentes de mecanismos de crédito são prejudicados.

Ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, não são os ricos que pagam a conta desse costume nacional. É a grande massa dos dependentes de crédito que cumprem seus compromissos em dia. Isto é, são os adimplentes, na forma de aluguéis, prestações e juros mais altos ou submetendo-se a exigências crescentes com avalistas, fiadores e outras garantias, geralmente tendo de incomodar amigos e parentes, que arcam com esse ônus. Os ricos raramente precisam de crédito. Quando precisam, têm acesso a recursos com taxas de juros privilegiadas, aqui ou no exterior, e garantem seus empréstimos com bens próprios.

Enquanto isso, ao invés de progredirmos rumo a uma cultura mais justa, à proteção ao adimplente e ao crédito, alguns juízes chegam a promover audiências de conciliação não previstas na legislação, atrasando ainda mais os processos e aumentando os prejuízos de proprietários, credores ou fiadores.

No Congresso Nacional, alguns deputados e senadores multiplicam projetos de lei para ampliar a "proteção" da Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família, aumentar prazos processuais, diminuir multas moratórias, tabelar juros e aluguéis, dentre outros semelhantes.

Resultado: juros, prestações e aluguéis mais altos, redução da oferta de crédito e bens, exigências cadastrais e de garantias maiores, num círculo vicioso e prejudicial a toda sociedade. Sofrem e sofrerão mais as populações de classe média e de baixa renda, exatamente os que esses juízes e parlamentares pensam estar protegendo. Mas erram o alvo gravemente por ingenuidade, ignorância, ideologia política ou, pior, em não raros casos, por simples demagogia.

A responsabilidade pelo crédito deve começar pelos credores, que não devem concedê-lo acima das possibilidades de renda ou posses do devedor. Caberia ao Estado a responsabilidade pela proteção tão somente das classes mais pobres, viabilizando-lhes créditos ou fundos de aval com recursos dos cofres públicos. Essa a obrigação ou proteção aceitável pelo Estado, mas sempre se retirando do credor particular os obstáculos da legislação atual, evitando-se - como alertado - a transferência automática do "custo judiciário" para os adimplentes das classes média e de baixa renda.

Se não mudarmos, em sentido contrário à atual superproteção da inadimplência, serão inúteis os esforços para reduzir os juros do crédito pessoal, cartão de crédito ou cheque especial. A tal taxa Selic do Banco Central pode cair a zero, que continuaremos pagando os juros mais altos do planeta na ponta do crédito.

No que diz respeito aos aluguéis, o resultado da mudança seria mais oferta de imóveis, valores mais baixos, melhor qualidade média de vida e o fim, por desnecessária, da figura bizarra do fiador.

Utopia? Não, é o que nos ensinam culturas de economias mais avançadas e que já ultrapassaram ou se cansaram de ingenuidade, ignorância, ideologias inconsistentes e demagogia.

Quem não se lembra do passado recente, quando enfrentamos e vencemos a resistência, aparentemente insuperável, dos mesmos "inimigos", na questão da denúncia vazia nas locações residenciais. Igualmente quanto ao fim do efeito suspensivo nas ações locatícias. Avanços que, embora insuficientes, deram sobrevida a um mercado quase extinto, em benefício de toda a sociedade.

É tempo de novos avanços, de novas lutas e de paciente convencimento de toda a sociedade, em especial dos mais lúcidos e sérios representantes da imprensa e dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo.

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