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Autor:
Miguel Ignatios
Qualificação:
Presidente da Associação dos Dirigentes de vendas e Marketing do Brasil (ADVB) e da Fundação Brasileira de Marketing (FBM).
E-mail:
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Data:
21/02/00
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Os Dólares e a AmBev

O recente parecer da Secretaria de Direito Econômico (SDE) sobre a fusão da Antarctica com a Brahma, recomendando a venda de uma delas ou da Skol, como condição para aprovar o "casamento" das duas maiores cervejarias brasileiras, recoloca duas questões importantes para reflexão da sociedade: de um lado, a política de atrair dólares; e, do outro, escolher a melhor hora para as empresas nacionais disputarem o mercado globalizado.
Ao contrário do que parece, não é fácil conciliar essas duas políticas. Embora complementares, já que a finalidade é, de uma forma ou de outra, trazer dólares para o País, elas podem concorrer entre si e - pior ainda - de forma predatória.

Para complicar mais as coisas, há burocratas no governo que defendem a política de atrair dólares a qualquer preço, mesmo alienando nosso parque industrial e de serviços; e os que acham que já é hora de preparar o terreno para as empresas brasileiras entrarem no mercado globalizado, trazendo os necessários e indispensáveis dólares pela via das vendas externas.

Talvez ambas as posições estejam corretas. Vamos analisar rapidamente cada uma delas.
No ano passado, foram investidos na América Latina e no Caribe quase US$ 100 bilhões de dólares. Desse total, US$ 56 bilhões concentraram-se no Brasil (US$ 31 bilhões) e na Argentina (US$ 25 bilhões). A maior parte dos dólares aplicados na Argentina foram "injetados" na economia local sob a forma de fusões, associações e aquisições empresariais. No ano passado, nossos vizinhos foram os campeões continentais de "casamentos" entre companhias locais e estrangeiras.

Ora, não é difícil concluir-se que parte dos US$ 25 bilhões investidos na economia argentina poderiam ter sido aplicados no Brasil, se a desvalorização cambial, ocorrida em janeiro do ano passado, não tivesse gerado insegurança monetânea. Passado esse período, a economia brasileira dá sinais concretos de nova fase de estabilidade ao contrário da Argentina. A dedução que se pode tirar disso é clara: boa parte desses dólares tenderá a migrar para o Brasil.

Nesse contexto, o parecer da SDE sobre a formação da AmBev não poderia ter sido mais claro, pois equivale a um convite explícito às grandes cervejarias internacionais para se instalarem aqui. O recado foi imediatamente entendido, em Davos, na Suíça, pelo presidente da Interblue, uma das maiores indústrias de bebidas da Europa.

A estratégia dos defensores da política de atrair dólares a qualquer preço é aproveitar ao máximo a recém-iniciada fase de estabilidade, antes que as pequenas e seguidas altas de juros da economia americana possam atrapalhar.

Por sua vez, os defensores da política de buscar os dólares no mercado globalizado, dentre eles, o presidente do BNDES, Andrea Calabi, entendem que a presença de grandes empresas brasileiras lá fora seja uma forma constante de captar dólares menos sujeita às oscilações da conjuntura internacional, pois significa, acertadamente, buscar superávites nas transações comerciais externas. Dessa forma, a AmBev e os consórcios de fabricantes de eletroeletrônicos, sugeridos por Calabi, atuariam como uma cunha, abrindo nichos de mercado para as demais empresas exportadoras de manufaturados. A idéia subentendida em tal proposta é aproveitar e ampliar o espaço já criado por múltis brasileiras, dentre elas a Gerdau e as empreiteiras.

Aparentemente, o governo está convencido de que é possível atrair dólares e simultaneamente preparar as grandes exportadoras para atuar com maior agressividade no mercado internacional. Todavia, a postergação das medidas necessárias ao avanço das empresas brasileiras no mercado externo poderá significar a aceitação definitiva de que somos inexoravelmente vocacionados para o subdesenvolvimento e aptos a aceitar o ‘colonialismo’ econômico para sempre. Será?


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