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Autor:
Miguel Ignatios
Qualificação:
Presidente do Conselho Deliberativo da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB).
E-Mail
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Data:
23/04/02
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A Venezuela e Jefferson

Às vésperas de formação da Área de Livre Comércio das Américas (a Alca), nada parece mais anacrônico e lamentável do que o golpe de Estado, felizmente fracassado, para depor o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

Digam o que disserem seus detratores, a verdade é que ele foi eleito democraticamente para governar o seu país. Nesse contexto, a reviravolta que o colocou novamente no poder deve ser vista como um atestado de maioridade política da América Latina.

Além disso, se, por força de impeachment, como no caso de Collor de Mello, em 1992; renúncia, como no caso de Fernando de la Rúa, em 2001; ou de qualquer outro evento que o tirasse do poder, a solução teria de ser forçosamente constitucional. Dessa forma, assumiria o vice ou qualquer outro sucessor que viesse a ser definido pelo Congresso.

Mas não foi isso o que aconteceu em Caracas, onde os inimigos de Chávez, passando por cima da Constituição, designaram o líder empresarial, Pedro Carmona, para sucedê-lo. Ele ficou no poder menos do que 48 horas. Talvez tenha sido o governo mais curto em toda a história do subcontinente.

Curiosamente, os sisudos tecnocratas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que vinham fazendo mil e uma exigências para apoiar a Argentina, apressaram-se em oferecer ajuda financeira aos golpistas venezuelanos, sem que estes tenham tido ao menos tempo hábil de solicitá-la.

Essa atitude constrangeu até mesmo a Casa Branca, que, àquela altura dos acontecimentos, ainda tentava, diplomaticamente, negar ter mantido contatos com políticos de oposição ao presidente Hugo Chávez.

Tais acontecimentos deixaram os líderes democratas latino-americanos sobressaltados. E não é para menos. Será que é essa a política externa de Bush para a região? Defender a abertura de mercado e adotar medidas protecionistas, louvar a democracia e incentivar a deposição de líderes indesejáveis, na visão da Casa Branca?

Isso mais sugere a reedição da velha doutrina Monroe (aquela da América para os americanos do Norte, é claro), posta em prática pelos Estados Unidos durante o século 19.

É preciso que a diplomacia americana reveja, com urgência, suas idéias e, principalmente, seus arraigados preconceitos a respeito das nações que se situam abaixo do rio Grande. Aliás, a propósito, no começo do seu governo, Bush deixou escapar que sua política para a região resumir-se-ia à boa vizinhança com o México.

Isso equivale, na prática, a virar as costas para uma região pobre e cheia de problemas, mas que luta com todas as forças para vencer o subdesenvolvimento. E que já incorporou no seu cotidiano valores essenciais da civilização como a liberdade e a democracia.

A América Latina não aceita mais ser vista como um conjunto de repúblicas de bananas. Dialogar com respeito e soberania e negociar as divergências até a exaustão é o único caminho para se construir um futuro próspero e comum para toda a América, tenha ela o nome de Alca ou qualquer outro.

Até porque os ideais de Thomas Jefferson e de Simón Bolivar são exatamente os mesmos. A única diferença entre eles é o idioma em que foram originalmente expressos.


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