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Autor:
Jayme Vita Roso
Qualificação:
Advogado, é Conselheiro da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) e da Federação Interamericana de Advogados (FIA)
E-Mail
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Data:
24/05/01
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Preito de Saudade a Théodore Monod (1902-2000).

Em 22 de novembro do ano passado, aos 98 anos, faleceu em Versailles (Yvelines), na França, o naturalista-viajante Théodore Monod. Figura marcante em todo o século passado, deveria ter merecido de nossa imprensa mais do que algumas linhas. Dos ambientalistas, nada, embora fosse o precursor, em nossa opinião, do movimento de proteção à natureza, à vida dos animais, aos povos do deserto, aos imigrantes ilegais em seu país, assim como combateu a caça e as usinas nucleares. Adepto da reconciliação das confissões cristãs (era protestante), foi um fervoroso ativista político pela paz. Em suma, considerado como um dicionário ambulante, foi maior que Gandhi, mártir da libertação da Índia, pois viveu, ardorosamente, num século conflituoso, sempre colocou o rigor da ciência à prova de sua consciência numa retitude de conduta, sustentado num cristianismo de alegria, de simplicidade e de misericórdia, como dele lembrou seu sobrinho Pascal, em 1991.

Houve, durante sua profícua existência, intervalos em que Monod se desintegrava do material e passava a construir, com outros, a história do homem e de sua evolução, numa tentativa de procurar a convergência, o que chamava o En Avant com o En Haut. Isso o aproximou de Teilhard de Chardin, o notável jesuíta que, pela força de sua criatividade e inspiração, passou quase toda sua vida no Oriente, em pesquisas paleontológicas. A correspondência trocada com Teilhard aproxima Monod, cada vez mais, da verdade, que, no dizer daquele, "você sabe que a meu ver (como ao seu, eu imagino) o Homem está ainda longe de estar terminado – tanto menos que ele parece em vias de colocar sua mão sobre algumas molas (descobertas por reflexão coletiva) que lhe vão permitir fazer evoluir a si mesmo (forças de auto-evolução")".

Doutro lado, com o lendário Abbé Pierre, manteve um colóquio maravilhoso, um ano antes de sua passagem, que Michel Bony bem registrou. Aqui, a temática sai do terreno científico das altas indagações para o terreno dos abandonados, dos filhos espúrios do capitalismo e dos que Pierre, com extraordinária lucidez, cognominou os ignorados, numa construção verbal que saiu das profundezas da sua magnânima alma: "A exclusão é um real motivo de cólera. Tudo o que é dito relativo à exclusão não pode ser tomado a sério e deve permitir uma mudança profunda da parte do Poder, se a gente não mostra que essa exclusão vem de todos os tempos e de todas as civilizações", pois, "para se reportar à exclusão deve-se avançar na reflexão de que a palavra excluído deve ser mudada para ignorado".

Desde que ocorreu a tragédia de Hiroshima (1945), humanista e pacifista convicto, além de grande defensor da natureza, - para a defesa dela tendo mobilizado todas as fontes para preservá-la - durante o verão, reúne centenas de pessoas para jejuar durante três dias em Tavernay (Val-d’Oise). Para que? Chamava esse ato de jejum de interpelação das autoridades para lembrar que a ocorrência de Hiroshima ainda se propagava pela Terra: seqüelas físicas, morais e psicológicas, aliadas à destruição irreparável da natureza. E, lembrando Teilhard, sabemos, por ele, que, se o homem não cria a natureza, tanto pode transformá-la para melhor, como destruí-la.

À unanimidade, a imprensa francesa recordou o passamento de Monod, de onde estacamos: "O deserto oferece ao homem que caminha, ao homem que pensa, a ocasião de um reencontro com ele mesmo. O silêncio absoluto existente ao seu redor, eis uma prova não banal, mas da qual muitos contemporâneos, sob os passos de Monod, conhecem hoje a virtude. O deserto realmente tornou-se moda, como fonte terapêutica, da metafísica, dos esportes triviais (Paris-Dakar) e do mercado" (Bruno Frappat, La Croix).

É um homem para ser lembrado, sempre.


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