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Autor:
Romeu Chap Chap
Qualificação:
Presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP) e diretor presidente da Romeu Chap Chap Consultoria e Desenvolvimento Imobiliário
E-Mail
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Data:
25/10/01
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O Bem e o Mal das Medidas Provisórias

O governo federal editou em setembro duas medidas provisórias com vistas à dinamização das atividades do setor imobiliário. A partir delas surgiram duas situações antagônicas.

A primeira MP, de nº 2.223 - que regulamenta o funcionamento do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) -, foi considerada positiva pelo empresariado da área. A Medida instituiu dois novos e importantes instrumentos: a Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e a Cédula de Crédito Imobiliário (CCI). Com isso, instituições financeiras e detentores de créditos imobiliários (incorporadoras e construtoras) ganham mais um mecanismo para a titularização com lastro em bens imóveis, propiciando a alavancagem de recursos e o fortalecimento do mercado de recebíveis, que é a essência desse novo Sistema. Para que o mercado secundário lastreado em créditos imobiliários funcione a contento, a medida prevê o reajuste mensal das prestações dos compradores por índices de preços ou índices setoriais. Criou-se verdadeira polêmica sobre esse aspecto, com base no fato de que os salários não têm correção mensal, o que induziria o comprador ao inadimplemento.

O problema do reajuste das prestações é complexo. Porém, considerando-se que o País atravessa estabilização econômica, os efeitos dos reajustes são mínimos. Senão vejamos: um empréstimo de R$ 52.000,00 (valor médio dos financiamentos do SFH nos últimos 12 meses) - com prazo de 180 meses e taxa de juros de 12% ao ano com correção pelo IPC-A de 6,41% (valor dos últimos 12 meses) e uma prestação inicial de R$ 603,72 - geraria após um ano de reajustamentos mensais uma diferença de prestação a ser paga de R$ 38,70 - ou pouco mais que R$ 3,00/mês. Ou seja, uma diferença irrisória, se imaginarmos que este financiamento é concedido para quem comprovou uma capacidade de pagamento de R$ 2.450,00/mês.

Importante acrescentar que essa nova sistemática antecipa o futuro do financiamento imobiliário no Brasil. Mas até que esse futuro se apresente, teremos a atuação conjunta e complementar do SFI e SFH. O comprador terá, durante esse período de transição, dois caminhos para a aquisição da casa própria. Se as medidas para o SFI foram bem recebidas, o mesmo não ocorreu com a MP 2.221, que instituiu o patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias. Por um ano e meio, o Secovi-SP (ao lado da Câmara Brasileira da Indústria da Construção e de outras entidades da área), representantes da equipe econômica do governo e do mercado financeiro se debruçaram sobre um objetivo comum: fortalecer as garantias dos compradores dos imóveis na planta, por meio de aprimoramentos na Lei das Incorporações (4.591/64), que já previa mecanismos de defesa aos adquirentes, na eventualidade da falência da empresa construtora/incorporadora.

Desde o episódio Encol, sentimos a necessidade de tornar mais tangíveis essas garantias, e o patrimônio de afetação se apresentou como alternativa competente, uma vez que ele segrega o empreendimento da contabilidade geral da empresa construtora ou incorporadora. Assim, caso ocorram problemas, a comissão de representantes do condomínio teria condições mais práticas de substituir o empreendedor e concluir a obra. O texto da MP recém-editada atende a esses pressupostos e àquilo que o empresariado do setor defendia, no que se refere a maior transparência nas relações com os compradores, o que inclui prestação regular de contas (permitindo acompanhamento do empreendimento pela comissão de representantes do condomínio).

Surpreendentemente, porém, a mesma MP transfere para os compradores uma responsabilidade adicional: no caso da falência da empreendedora, eles terão de responder pelo passivo fiscal da mesma no que concerne ao patrimônio afetado. Ou seja, assumir as dívidas tributárias, previdenciárias e trabalhistas do construtor/incorporador. E mais: determina um prazo extremamente exíguo para a apuração e quitação dessas dívidas. Neste particular, o patrimônio de afetação é prejudicial ao comprador. Seria muito melhor para ele ficar com a boa e velha Lei das Incorporações do que enfrentar um risco dessanatureza. Como o que não atende ao comprador não interessa ao empreendedor, a indústria imobiliária nacional não terá condições de atuar sob a égide dessa Medida (felizmente, de caráter opcional).

Em face da importância do assunto, certamente o governo cuidará de promover os indispensáveis aperfeiçoamentos, com o propósito de viabilizar aquele diploma legal em conformidade com as necessidades e as expectativas de nosso segmento. Afinal de contas, trata-se de um documento finalizado em regime de urgência à vista da regulamentação que limitou o uso de Medidas Provisórias.

É natural que ao governo não interesse a retração do setor imobiliário. Trata-se, a meu ver, de uma imperfeição criada pela pressa. Certamente, teremos a partir de agora a prevalência do bom senso ao se atender as análises acuradas que estão sendo realizadas, no sentido de conferir ao SFI plenas condições de deslanchar o mercado habitacional.

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