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Autor:
João E. B. Migliano
Qualificação:
Engenheiro Mecânico e de Produção e Sócio Diretor da JEMCO & Associados Serviços Técnicos Ltda. - ME.
E-Mail
[email protected]
Data:
26/04/03
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Ergonomia - O Caminho das Pedras

O estudo, a avaliação e a preocupação com o desempenho humano no trabalho são tão antigos quanto a própria história da humanidade e tornaram-se mais importantes a partir do século XVIII, quando a humanidade assistiu ao nascimento da máquina a vapor.

A máquina e o homem transformaram-se em meros atores de um processo que se convencionou chamar: Revolução Industrial.

Até aquela época a indústria era insipiente, e os homens ao lado dos animais eram as únicas fontes conhecidas de energia motriz. Na Inglaterra, por exemplo, no século XV, mais de 90% da população vivia, trabalhava e dependia exclusivamente dos campos.

O uso do vapor revolucionou a indústria e provocou o surgimento de ciências relacionadas ao estudo do trabalho, destacando-se em seu primeiro momento, em 1881, o trabalho do engenheiro norte americano Frederick W. Taylor que se chamou: Time Study. Em seguida, já no princípio do século passado, o casal Frank e Lilian Gilbreth despertou a atenção para a análise dos movimentos, criando o Motion Study.

Tanto Taylor quanto os Gilbreth em seus estudos sobre as atividades humanas estavam preocupados exclusivamente com a melhoria da performance dos trabalhadores, considerada tão importante que, a partir de 1930, essas técnicas passaram a dominar e ditar as regras no ambiente empresarial, sendo o cronômetro o vilão da história.

Na Inglaterra, na metade do século passado, os trabalhos de um grupo multidisciplinar de pesquisadores depreendeu que o assunto era mais amplo, complexo e que só o cronômetro não bastava para resolvê-lo, e sim, o ser humano como um todo, com seus aspectos físicos, psíquicos e cognitivos, é que era o objeto central que, além disso, interagia com os equipamentos e o meio ambiente.

Tais estudos foram designados como Ergonomia ou Engenharia Humana e passaram a abordar o problema de uma forma sistêmica: O Sistema Homem-Máquina.

Na segunda metade do último século, a humanidade assistiu a transferência das atividades mecânicas para as máquinas, fruto benéfico da evolução tecnológica alavancada pelas corridas armamentista e espacial. Na indústria, o ser humano valorizado passou cada vez mais a ser alocado em atividades que envolvem o intelecto e raciocínio, como: criação, planejamento, decisão etc.

Atualmente, com o advento da Internet, o processo de globalização da economia e o aumento das pressões geradas em um mundo cada vez mais competitivo, as empresas também estão tendo que se ocupar com a saúde física e mental de seu pessoal.
Surge, então, o conceito do Wellness que, como a Ergonomia, busca a economia do ser humano, a melhoria do bem estar geral, da saúde e da aptidão física das equipes, buscando também um aumento da auto-estima e do moral dos colaboradores de uma empresa.

Vamos nos ater, contudo, à Ergonomia e à chamada Nova Economia, na qual tudo gira em torno da Tecnologia da Informação, da Internet, do e-business etc. No entanto, muito poucos estão preocupados e atentos às pessoas que necessariamente estarão diante da tela, teclado e mouse.

A Web e os negócios via rede só existem porque em algum ponto, ou melhor nos nós da rede, uma pessoa está interagindo no processo, ou seja, está recebendo e processando intelectualmente as informações, atuando sobre os controles, mudando o curso das ações, fazendo a retroalimentação do processo, estabelecendo assim o modelo clássico do Sistema Homem-Máquina, preconizado pela Ergonomia.

Recebemos diariamente um bombardeio de siglas e termos da Nova Economia, como: browser, B2B, WAP, 3G, só para citar alguns, mas são poucos os que estão preocupados com o que se passa na cabeça, corpo e vida do Velho Homem, peça fundamental desse processo.

Peça fundamental sim, pois, sem o Velho Homem, obra prima da natureza, com sua infinitas capacidades: criativa, inventiva, de adaptação, citando algumas delas, nada disso poderia existir.

No nosso entender, os profissionais de IT, Web design etc., deveriam ter sua atenção voltada para o ser humano, que provido de capacidades, habilidades e limitações, no fundo, é o único responsável pela existência da rede.

O primeiro passo desse processo é a caracterização e o estudo do Sistema Homem-Máquina que esquematizamos e descrevemos abaixo:


Meio Ambiente

Máquina Homem
Informação

Ação

As interações no Sistema Homem-Máquina ocorrem nos planos da ação e informação, destacando-se os seguintes elementos de cada lado:

Homem: Funções receptoras ou sentidos: visão, audição, olfato etc. Sistema nervoso central: cérebro e medula espinhal. Mecanismos de ação: mãos, braços, pernas etc.

Máquina: Controles, como: pedais, alavancas, teclas etc. Sistema Operacional: mecânico, hidráulico, elétrico etc. Dispositivos de informação, como: diais, telas, cigarras etc.

Além disso, existe um mecanismo de realimentação do processo e correção do curso das ações muito importante e que, em algumas situações, ocorre de uma forma quase imperceptível, mas extremamente complexa, como por exemplo, quando dirigimos um veículo.

Além disso, existe um mecanismo de realimentação do processo e correção do curso das ações muito importante e que, em algumas situações, ocorre de uma forma quase imperceptível, mas extremamente complexa, como por exemplo, quando dirigimos um veículo.

Não podemos esquecer que o sistema está inserido no meio ambiente que também pode fornecer estímulos e informações. Esse mesmo meio, por sua vez, poderá apresentar características inadequadas de: ruído, vibração, temperatura etc., que também afetam o desempenho humano, assim como podem interferir na operação ou no desempenho da máquina.

Otimizamos o sistema quando o homem completar a máquina e esta completar e potencializar as capacidades humanas.

O próximo passo é focalizarmos o estudo no homem e suas reais capacidades, habilidades e limitações, a fim de definir em que situações o homem é melhor que a máquina e nas que esta supera as capacidades humanas, como por exemplo:

O homem é melhor para:
A máquina é melhor para:
    • raciocínio abstrato, indutivo e criativo;

    • tarefas sujeitas a desvios imprevisíveis;

    • aprender com a experiência, ajustando o comportamento posterior;

    • sensibilidade a uma grande variedade de estímulos;

    • continuar executando um trabalho mes-mo quando sobrecarregado;

    • memória recorrente e com capacidade de guardar grande quantidade de informações por longo tempo.
    • raciocínio concreto e dedutivo;

    • rotinas complexas, precisas e contí-nuas;

    • executar várias tarefas simultanea-mente, mesmo quando operando em ambientes hostis além das capacidades humanas;

    • responder com rapidez e precisão a um comando;

    • aplicar uma grande força, regularmente e com precisão;

    • armazenar e recorrer a um grande volume de informações em pequeno espaço de tempo.

Para isso, temos que conhecer as características antropométricas do ser humano: peso, volume, dimensões, ângulos dos movimentos do corpo e partes do corpo etc., considerando também algum equipamento ou o vestuário que o indivíduo estará portado durante a operação.

Nesse particular, o uso de EPI’s - Equipamentos de Proteção Individual - no caso das indústrias e nos escritórios as variações da moda, principalmente, a feminina, podem introduzir fatores adicionais de risco, fadiga, restrição de movimentos etc., prejudiciais ao operador e à eficiência do sistema.

O conhecimento das capacidades de postura, força e alcance dos movimentos dos indivíduos é fundamental para a definição e operação eficiente e eficaz da estação de trabalho. A aplicação consistente dos critérios de dimensionamento antropométrico indicados abaixo, facilita a escolha, projeto ou posicionamento adequado dos equipamentos:
&Mac183; Projeto para a Média da População: mesmo não existindo o homem médio ou padrão, usamos esse critério quando fatores de conforto ou produtividade não forem importantes, como por exemplo: para um banco de jardim, bar etc.

• Projeto para o Indivíduo: é o corolário da situação acima. Nesse caso, utilizamos os dados específicos do operador do equipamento. Como exemplos, temos: a roupa de um astronauta, o cockpit de um veículo Fórmula I etc.

• Projeto para Indivíduos Extremos: aplicamos esse critério principalmente em situações que envolvam a segurança das operações, como por exemplo: a altura de uma porta, a resistência de um cinto de segurança etc.

• Projeto para Faixas da População: aplicamos quando queremos otimizar o atendimento de determinadas parcelas da população através de tamanhos ou numerações pré-definidas, como: calçados, roupas prontas para uso etc.

• Caso Particular: podemos, em algumas situações menos críticas, transformar um projeto que em uma primeira abordagem seria para Extremos, em um projeto para Faixas, impondo estatisticamente o atendimento de 95% dos indivíduos, conseguindo com isso economias substanciais sem detrimento significativo dos outros fatores.

Com o avanço da IT, temos cada vez mais o homem posicionado diante de um conjunto cadeira-mesa-teclado-monitor e o mercado que nos apresenta uma miríade de alternativas de configurações e preços. Cuidado com o uso meramente mercadológico da estampa: Ergonômico. Esses produtos, algumas vezes, não passam de um bom projeto estético. Em caso de dúvida, consulte um especialista que possa assessorá-lo.

Como regra geral, uma boa cadeira deve possuir um assento regulável, permitindo um angulo de 90o entre perna e coxa, favorecendo o apoio dos pés no chão. O encosto deve apoiar a região lombar, permitindo que o usuário se recoste de tempos em tempos, alternando os músculos que estão trabalhando, favorecendo o fluxo sangüíneo e a eliminação da fadiga.

No caso específico dos digitadores, é recomendável que o apoio dos braços também seja regulável, assim como, a altura do tampo da mesa que contém o teclado, permitindo que o operador faça os ajustes necessários, definindo corretamente a altura do plano de trabalho horizontal.

Dificilmente entramos na discussão das características do projeto dos controles das máquinas e equipamentos que utilizamos nas empresas em que atuamos, porém, seu arranjo físico, forma, sensibilidade, codificação etc., são fundamentais para a performance do sistema, pois, através deles, o homem interage com o equipamento.

No caso particular do teclado dos PC’s, temos um estereótipo popular aprendido, versão da primeira máquina de escrever comercializada a partir de 1874, que utiliza o sistema anglo-americano Qwerty para a distribuição das letras, acrescido de alguns símbolos.

Algumas versões melhoradas do teclado tentam reproduzir a varredura do antebraço do operador, favorecendo seu conforto e economizando alguns movimentos do braço.

De forma geral, o teclado e demais controles devem estar contidos na área de alcance máximo dos operadores. Um apoio suplementar para a palma das mãos, posicionado em frente ao teclado, poderá ajudar na prevenção da LER - Lesão por Esforço Repetitivo.

O monitor deve observar uma distância, altura e ângulo que respeitem as características de acuidade visual, permitindo também um posicionamento normal da cabeça, olhos e coluna cervical dos operadores.

Filtros de radiação aplicados ao monitor, assim como uma iluminação conveniente do ambiente, favorecem a leitura das informações, evitando brilhos indesejáveis e reduzindo a geração da fadiga visual.

A existência de uma abertura para a natureza, como: uma janela, plantas ou um aquário, assim como, a presença de uma sala de relaxamento favorecem a recuperação e eliminação da fadiga geral.

Complementando, principalmente para aqueles que atuam em Web, Software e Hardware Design, temos de lembrar que a visão humana, mesmo sendo o sentido de maior alcance e complexidade, também tem suas capacidades, habilidades e limitações quanto a distinguir detalhes, contrastes, cores, adaptabilidade etc.

Vamos conhecê-las e, então, desenhar sites, softwares, hardwares etc. amistosos, simples e objetivos, tornando fácil e agradável a navegação e leitura das informações, facilitando sua percepção e conseqüentemente a atuação do homem sobre o equipamento, fazendo com que a interação seja mais prazerosa, eficiente e eficaz, considerando sempre que só vamos otimizar o Sistema Homem-Máquina quando o homem completar a máquina e esta completar e potencializar as capacidades humanas.

Finalizando, muitas empresas, atualmente, têm instalado um ginásio onde seus colaboradores possam, assistidos por especialistas, executar exercícios e alongamentos musculares.

Isso tem se mostrado ser a ação preventiva mais eficaz no combate à fadiga e ao stress, contribuindo também para o aumento da criatividade, motivação, auto-estima, prontidão, espírito de equipe e a redução do turn-over.

No entanto, devemos sempre lembrar que estamos lidando com seres humanos que, complexos por natureza, podem reagir de formas distintas em cada situação.


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