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Autor:
Jayme Vita Roso
Qualificação:
Advogado, Conselheiro da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB)
E-Mail
[email protected]
Data:
27/04/02
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Sobre o Corralito ou Como os Advogados Argentinos Garantem o Estado de Direito


Buenos Aires, abril de 2002. Já foi dito que o Continente Sul-Americano é o lugar onde se podem estudar os melhores exemplos das revoluções inacabadas. Muitas causas conduzem a esse canal emissário de frustração, inclusive as propostas messiânicas que se procuram empregar para males crônicos. É, portanto, consuetudinário esse proceder.

Mas, contra a imposição do corralito o Colégio de Advogados de Buenos Aires levantou-se: não só orienta, com plantonistas bem preparados, os advogados a manejar os instrumentos legais para defender a sociedade enganada por Meném durante dez anos, como também mobiliza-se em cada passo ocorrente, para que as instituições democráticas saiam ilesas da insensatez dessa política econômica. O resultado é que as medidas de amparo (cautelares) em um mês atingem níveis recordes no país, pois cerca de 100.000 ações já ingressaram nas Cortes Federais. Acredita o povo no Poder Judiciário, antes de insurgir-se com violência maior à latente.

Sintetizando o que conseguimos coletar, numa brevíssima pesquisa, nos órgãos de comunicação e na mais recente literatura, entre jornalistas, politólogos, advogados, políticos, magistrados, professores, parece haver um consenso de que a reforma política, antes de qualquer outra econômica, é indispensável para: a) incrementar a qualidade da democracia praticada no país; b) eliminar o financiamento dos partidos sem a utilização do empreguismo público; c) reduzir substancialmente a estrutura atual de custos do sistema político; d) reduzir o número de parlamentares em todos os níveis; e) reformar a Constituição ou, antes, reformar a política para tentar a credibilidade popular; f) reformar o sistema eleitoral, dando-lhe transparência e organicidade; g) a qualquer preço, reduzir o custo do poder, analisando-se o nível do gasto político, seja em termos absolutos e relativos, seja no que perde o país com a gestão corrupta e ineficiente tanto de políticos como de funcionários públicos (propostas oferecidas por Javier Garcia Elonio, Joaquim Morales Solá, Rudy Dormbusch, Artemiro López, Ricardo Finocchietto, Eugenio Raúl Zaffaroni e Rosendo Fraga). Em suma, enquanto a economia teve um incremento de 50% (no seu PIB) na década de 90, houve uma diferença entre ricos e pobres de 52%. Logo, houve crescimento desigual, que deve ser, e logo, superado, com a luta contra a evasão fiscal, a reforma da educação e da saúde, do sistema de aposentadorias, do regime trabalhista, com a limitação dos gastos dos gabinetes dos legisladores que superestimam as despesas para nenhuma eficiência pública. E, sobretudo, ter em conta que a imprensa deve voltar-se ao povo, pois – é o que pensamos – a crise econômica é agudíssima, como nunca houvera, já que ocorreu uma ruptura do vínculo social com a classe política e até com as instituições.

O Presidente Duhalde, pelo menos, até agora, parece estar respeitando o Estado de Direito, apesar do corralito (que foi nada mais ou nada menos do que bloquear as contas bancárias e converter os depósitos em dólar norte-americano em pesos, a uma taxa arbitrariamente fixada). Para conseguir êxito com sua proposta, foram sancionados e promulgados, por ele e pelos anteriores, a Lei nº 25.557, modificando e derrogando outras antecedentes; a Lei nº 25.561 – emergência pública e reforma do regime das obrigações afetadas por ela, inclusive as obrigações vinculadas ao sistema financeiro, aos contratos da administração pública e regidas pelas normas de direito público, da proteção dos usuários e dos consumidores de bens e serviços de qualquer natureza; veio também a Lei nº 25.562, que altera a carta orgânica (estrutura) do Banco Central da República Argentina; a Lei nº 25.563, que reestruturou a lei de falências, ampliando os prazos de pagamentos para os devedores em concordata, bem como novou as obrigações do setor privado e hipotecário, ampliando os prazos e as formas de liquidação desses passivos.

Além disso, pelo Decreto 1570/2001, foi ordenado ao Sistema Financeiro a limitar os saques, assim como atuou o governo na área financeira com os Decretos 1606/2001, 050/2002, 071/2002, 141/2002 e 214/2002; com as Resoluções do Ministério da Economia de nºs 6/2002, 9/2002, 10/2002, 18/2002, 23/2002, 46/2002 e 47/2002 e com os Comunicados do Banco Central da República Argentina A3377, de 5 de dezembro de 2001 a A3467, de 8 de fevereiro de 2002.

Dá arrepio a qualquer advogado ver a edição de tantas normas no campo do direito financeiro e econômico, afetando duramente os mais pobres, porque a pilantragem já levara os pesos para Montevidéu e outros lugares, bem assessorada pelos farsantes de inúmeros private banks.

Duramente, o Colégio Público de Advogados de Buenos Aires tem combatido essas medidas por meio de eficientes petições de amparos, que – sem pejo ou preconceito – ele as oferece aos seus filiados. Com longa prática nas Cortes, surpreendeu-nos a clareza da demonstração de inconstitucionalidade das normas editadas pelo corralito, através dos exemplos que nos foram oferecidos.

Sobretudo o largo discernimento dos advogados tem encontrado nas violações à Lei Maior argentina um forte motivo de defesa do Estado de Direito. Mas sobressalta – e é digno de realce – que os advogados não se contentam em sustentar seus brilhantes arrazoados nas leis de seu país, mas buscam em leis internacionais, ratificadas pelo direito interno, o mesmo respaldo. Tanto é que as ações contra o corralito tem apoio nos artigos XIV, XVIII, XXIII e XIV da Declaração Americana dos Direitos do Homem, nos artigos 8, 17 e 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos artigos 8, 21, 25 e 27 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, além das normas constitucionais.

Trata-se esse procedimento do Colégio de Advogados um importante avanço na defesa dos interesses individuais lesionados, quando, apesar do Presidente Bush procurar militarizar qualquer crime, com leve conotação de terrorismo, passa a servir de lição, ainda que amarga, para a América Latina sair da eterna dependência alienígena e sua população de cultura tão brilhante e tão multifária realize seu sonho, sem retoques, maquiagem ou censura.

[1] Aryeh Meier, autor do livro "Wars Crimes: brutality, genocide and terror" escreveu para a edição italiana da The New York Review of Books – Rivista dei Libri, o artigo "Processo ai Tribunali (militari)", onde esclarece que as medidas de Bush violam fortemente os direitos dos estrangeiros residentes nos Estados Unidos, além de serem inconstitucionais, p. 19-22, ano XIII, nº 3, mar 2002, Florença.

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