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Autor:
Ruy Altenfelder
Qualificação:
Advogado e presidente do Instituto Roberto Simonsen.
E-mail:
[email protected]
Data:
27/08/03
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O Pressuposto da Ética

Tem sido freqüente a publicação de reportagens — em especial em revistas de Recursos Humanos, Economia e negócios — sobre o crescente desprezo aos escrúpulos e aos princípios éticos na construção de carreiras profissionais e nas estratégias pessoais em busca de prestígio, ascensão e poder. Não haveria estreita relação entre este distorcido comportamento e episódios como as falcatruas contábeis e gerenciais que abalaram a economia dos Estados Unidos? Ou seja, não se pode aceitar esta nefasta tendência como um desígnio inexorável da competitividade imposta às pessoas e empresas pelo fenômeno da globalização. Um dos ativos mais importantes de uma empresa é a ética. Como lembra Bernardo Toro, um dos maiores pensadores do Terceiro Setor e presidente da Confederação Colombiana das Organizações Não-Governamentais, "é o momento de as empresas perceberem que, com o crescimento da sociedade civil organizada, precisam assumir cada vez mais seu papel na transformação social".

Indiscutivelmente, a ética é o bem mais importante e o mais rentável de uma sociedade. É a arte de tomar decisões que convenham à vida dos demais. Se um dia todos se tornassem éticos, sobrariam recursos. O relevante para a sobrevivência são os bens sociais, o ativo social e não os materiais. O desenvolvimento não pode mais ser encarado em termos meramente materiais ou sob o prisma do consumo. O crescimento vertiginoso das organizações não-governamentais significa o descobrimento da mais importante de todas as ciências, que é saber organizar-se. É o segredo de uma sociedade.

As empresas descobriram que quanto mais enriquecem o seu entorno, melhor. Antes, acreditavam que se ganhassem sozinhas, melhor. A lógica anterior permitia acumular muita riqueza em poucos lugares e distribuir muita pobreza em outros. Era a lógica da ganância e do egoísmo. Agora, a lógica está mostrando que, se os outros não vão bem, eu também não vou bem. É a lógica da fraternidade e da solidariedade.

A economia está internacionalizada, globalizada, mas o conceito de responsabilidade social não foi e nem será globalizado. Os três primeiros anos deste novo século, por mais que se tente agir ou provar em contrário, estão modificando a história do mundo corporativo, priorizando valores como ética e moralidade, transparência e boa governança corporativa e fortalecendo as empresas que adotam tais valores. Os relatórios e demonstrativos dos resultados das companhias mostram a preocupação com a responsabilidade social e o engajamento dos dirigentes e do corpo funcional com os projetos em execução nas mais diversas áreas: voluntariado, comunidade, educação, saúde, cultura, meio ambiente e desenvolvimento sustentável, apoio à criança, ao adolescente, à terceira idade e aos portadores de necessidades especiais.

Todo esse processo de assunção da responsabilidade social das organizações privadas relaciona-se às boas práticas da chamada governança corporativa, outro tema que vem conquistando os cenários do mundo dos negócios. Trata-se do conjunto de práticas adotadas na gestão de uma empresa, que afetam as relações entre acionistas, diretoria e conselhos de administração, consultivo e fiscal. As companhias modernas e que têm crescido sob todos os aspectos são as que se aproximam das melhores práticas de governança corporativa.

Lançado por Robert Monks, nos Estados Unidos, em 1984, o tema ganhou força com o Cadbury Report, publicado em Londres, em 1992. Nos EUA, o foco está nas relações entre acionistas, diretores e conselheiros. No Reino Unido, a abordagem é mais ampla, abrangendo a harmonização dos interesses das partes citadas e também de todas as partes interessadas (Stake Holders), incluindo-se funcionários, clientes, fornecedores, instituições financeiras e a comunidade diretamente afetada pelos negócios da empresa.

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa aproxima-se mais das práticas norte-americanas, apesar de incluir os relacionamentos com a auditoria independente e conselho fiscal em sua definição do termo. A BOVESPA, em dezembro de 2000, criou uma classificação distinguindo as empresas que adotassem práticas consideradas mais avançadas, do ponto de vista do investidor no mercado de capitais. A classificação leva em conta as empresas que privilegiam os direitos do acionista minoritário em três níveis. Em outubro de 2001, o Congresso Nacional aprovou a nova Lei das S.A., um avanço quanto às garantias do acionista minoritário.

São avanços importantes, que alinham a gestão empresarial brasileira aos melhores e mais éticos modelos de gestão. É preciso conter na raiz tendências deturpadas sobre o arquétipo de executivo vencedor que, às vezes, se cultiva no interior das empresas e — o que é mais grave — se passa à opinião pública. Os responsáveis pelas fraldes contábeis tinham essa distorcida imagem de vencedor, mas prejudicaram centenas e centenas de acionistas, muitos deles dependentes do rendimento das ações. A sucessão de escândalos levou a uma assustadora conclusão: os 80 milhões de investidores americanos que acreditam nas Bolsas de Valores, fazendo de carteiras de ações a sua previdência particular, ignoram o que é feito com os seus recursos pelos executivos das mais importantes corporações do País. Este exemplo é mais do que suficiente para demonstrar a importância da prevalência da ética nas empresas e na sociedade contemporâneas.

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