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Autor:
Romeu Chap Chap
Qualificação:
presidente do Secovi-SP, o Sindicato da Habitação.
E-mail:
[email protected]
Data:
28/05/03
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Uma Questão de Honra. Uma Questão de Tempo!

Pensar num projeto como o Moradia apenas como mais uma fonte de despesas para o Estado é um enorme engano. Estamos falando na verdade de um investimento. Uma empreitada de tal monta contribuiria decisivamente para a retomada do crescimento econômico e a geração de emprego, uma vez que, como demonstra o projeto, o setor da construção civil tem hoje reconhecida capacidade ociosa e uma capacidade de gerar rapidamente uma grande quantidade de empregos sem exigências imediatas de qualificação educacional.

Este é um trecho do Projeto Moradia, assinado por Luiz Inácio Lula da Silva, ainda como conselheiro do Instituto da Cidadania, dois anos antes das eleições que o levaram gloriosamente à Presidência da República, e citado em meu artigo de 31 de outubro passado, sob o título „Uma questão de honra.

Essa afirmação de Lula-cidadão, tem sido levada a sério com veemência, pelo hoje Lula - presidente da República, como se evidencia nos freqüentes pronunciamentos com que vem distinguindo o segmento imobiliário, transmitindo ao mercado a e toda a população, a certeza de que a cataléptica política habitacional brasileira será reavivada e se constituirá na força propulsora da tão esperada retomada de nosso desenvolvimento econômico.

O novo governo, em especial o presidente, têm surpreendido o empresariado com sua receptividade ao diálogo, com a rapidez na tomada de decisões, na promoção inusitada de convites para participação em debates e com demonstrações constantes de uma firme vontade política para o enfrentamento da nossa problemática urbana e habitacional.

Aliás, observa-se o mesmo comportamento em relação às grandes questões que interessam aos vários segmentos de toda a sociedade. Nessas ocasiões, pela sua singularidade, alguns pronunciamentos do presidente chegam a comover aqueles que têm tido a oportunidade de com ele dialogar.

Num desses últimos encontros, Lula disse enfaticamente ao grupo empresarial presente, que não deve haver restrições à formulação de qualquer crítica ao seu governo. Disse ele, em bom-tom: „Vocês devem me cobrar sempre que acharem necessário. Cobrem-me e assim vocês me ajudam a acertar.

Procedimentos assim incomuns, com o peso da sinceridade e desvestidos de prepotência, são animadores e concorrem para formar a corrente solidária que o Brasil necessita para encontrar o caminho de sua recuperação.

É dentro desse espírito que me animo, não a criticar, mas para fazer um alerta ao próprio presidente, em relação ao seu louvável projeto de revitalização de nossa política habitacional.

Assim o faço, levantando duas questões intimamente associadas, que reputo fundamentais para uma reflexão de nossas autoridades sobre particularidades dessa empreitada.

A primeira questão é a do dinheiro.

A produção imobiliária requer altos investimentos, que ainda mais se mostram fabulosos quando se pretende desenvolver programas de grande porte, destinados a minimizar, ao menos, a extraordinária e crescente demanda habitacional de nosso país.

Como exercício aritmético, apenas para nos situar no nível da magnitude dos investimentos de um hipotético programa de redução substancial da nossa demanda &Mac246; considerada em redondos 6 milhões de habitações, a um valor unitário médio de R$ 30 mil, incluídos aí os produtos destinados à classe média -, seriam necessários recursos no montante aproximado de R$ 180 bilhões, ou de US$ 60 bilhões ao câmbio de hoje.

Problemas fundiários, de infra-estrutura básica, de equipamentos sociais, de educação, de saúde, de transporte e serviços devem ser considerados na composição de tais custos, razão pela qual não se pense em um programa dessa dimensão.

O governo, se não quiser ver frustrado um de seus projetos mais legítimos e de maior repercussão social, terá de atentar para essa realidade e se fixar em uma política ambiciosa, mas factível, alicerçada na sua real potencialidade.

Nunca é demais lembrar que ainda não há dinheiro novo no Brasil, para viabilizar um programa consistente de redução de nossa carência de moradias.

No estágio atual de nossa economia, não podemos desenvolver projetos de grande porte, que requeiram macroinvestimentos, sem que tenhamos de nos restringir à estratégia da transferência de recursos ou, como se diz, efetuar a troca de dinheiro entre os bolsos de uma mesma calça.

Recursos estagnados em alguns nichos ou alocados para projetos menos importantes poderiam ser aproveitados, mas certamente não alcançariam os altos níveis que justifiquem um verdadeiro programa de governo em uma área tão dispendiosa.

Por conseqüência de tais restrições financeiras, há que se tomar o máximo cuidado para não se repetir erros passados, com o anúncio da execução de programas que possam impressionar pela cifra de alguns bilhões, mas que, efetivamente pouco representariam em número de novas moradias o qual, se rateado pelas 27 unidades da Federação, acabaria por se tornar insignificante.

Essa realidade, por mais incômoda que possa ser, deve levar o governo a estabelecer uma meta realmente ambiciosa mas alcançável e persegui-la com a decisão e a honestidade com que o presidente Lula encara a questão, evitando-se expectativas inconsistentes que possam resultar em futuras imerecidas explorações políticas.

Pela sua extrema importância e pelas suas dificuldades de execução, a questão habitacional deveria receber o mesmo tratamento que foi dispensado às Reformas, submetendo-se igualmente ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e com a colaboração de Grupos Temáticos.

Nesses Fóruns da Cidadania poderão ser estabelecidas as metas a atingir e identificados os meios de captação e geração dos recursos necessários.

Certamente a sociedade, em tais órgãos representada, poderá contribuir com o presidente para o sucesso de seu projeto que também é um dos ideais mais caros da família brasileira.
Do dinheiro passo para o tempo.

Ao se pensar na construção habitacional, as premissas financeiras se associam às perspectivas temporais. Um empreendimento imobiliário tem maturação de longo prazo de alguns anos mesmo, desde a escolha, a compra do terreno, a concepção e a elaboração do projeto, avia crucis das aprovações legais, a construção, a comercialização, até a entrega do produto.

Tudo isso consome um mínimo de três anos, enfrentando as tempestades de uma economia ainda em arrumação, subvertendo prospecções, planejamentos e resultados cuidadosamente previstos.

A esse período de maturação construtiva, soma-se o tempo inicialmente consumido para a elaboração e a implementação da nova política, dentro de uma gestão administrativa de apenas quatro anos, condição aqui lembrada sem que com isso se esteja invalidando o projeto presidencial.

Pelo contrário, pretendo, isso sim, colaborar com o presidente Lula, permitindo-me apressá-lo para inserir o seu projeto dentro das dimensões factíveis, considerada a velocidade do passar do tempo, e assim poder ver frutificada a sua causa, ainda no comando da Presidência da República.

Com esse alerta cumpro um dever de cidadania e patriotismo, o que faço com esperança, levado pelo entusiasmo advindo do desempenho do atual governo, que faz por merecer &Mac246; pelo seu esforço &Mac246; a colaboração dos brasileiros.

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