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Autor:
Miguel Ignatios
Qualificação:
Presidente da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) e da Fundação Brasileira de Marketing (FBM).
e-mail:
presidê[email protected]
Data:
29/12/01
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Um Tiro no Mito

Quando se atira numa celebridade mundial, mata-se o homem, mas não o mito que nasce a seguir. Esse foi o caso do velejador neozelandês, Peter Blake, assassinado, no dia cinco de dezembro, no Amapá, por seis assaltantes, "piratas" que atacam embarcações da extensa rede hidrográfica da Amazônia. Recentemente, Blake havia sido nomeado, pelo Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (PNUMA), embaixador especial para o Meio Ambiente.

As autoridades brasileiras ficaram estarrecidas quando jornais americanos e europeus disseram que a morte do grande ás da vela oceânica era equivalente a algum fanático da Fórmula 1 ter assassinado Ayrton Senna ou, para os mais velhos, o mesmo que Pelé ter sido vítima de assalto em algum país africano.

Ao matarem Peter Blake, os "piratas" da Amazônia estavam também disparando um "tiro" quase fatal na imagem do Brasil no Exterior e nos esforços desenvolvidos pelo governo para, finalmente, inserir, de uma vez por todas, nosso País nas excursões das operadoras internacionais de turismo.

Mais do que isso: o disparo que tirou a vida de Blake pode ter diminuído a vontade de os investidores internacionais aplicarem parte de suas poupanças na economia de nosso País.

Ironicamente, dias depois do trágico assassinato, a ONU declarou Fernando de Noronha, o atol das Rocas, a Chapada dos Veadeiros e a cidade de Goiás Velho patrimônios da humanidade.

Num lance que tentou combinar a folclórica falta de memória dos brasileiros com a criação de novidades para os potenciais turistas estrangeiros, o presidente da Embratur, Caio Luiz de Carvalho, em entrevista à revista semanal "Isto É", declara não entender a resistência dos economistas em reconhecer o imenso potencial turístico do País.

O assassinato de Peter Blake, somado a outros episódios, como, por exemplo, a morte do seringueiro Chico Mendes, em 1988; o massacre do Carandiru, em 1992; as mortes de oito meninos de rua, que dormiam na frente da Igreja da Candelária, no Rio, em 1993; e, mais recentemente, em agosto, quando seis empresários portugueses foram enterrados vivos em Fortaleza, fomentam, no imaginário popular estrangeiro, a imagem de um País selvagem, sem ordem e sem governo. Uma terra de ninguém!

Efeito idêntico ao dos atentados em Nova York e Washington sobre os investimentos estrangeiros nos países emergentes, em 2002, o assassinato do campeão da vela, com certeza, também reduzirá a entrada de recursos externos no Brasil.

Ao longo de 2001, de acordo com estimativas do governo americano, aproximadamente US$ 240 bilhões foram aplicados pelas nações mais desenvolvidas nas economias emergentes, dos quais cerca de 20 bilhões se destinaram ao Brasil. A previsão para 2002 é de que tais investimentos não passem dos US$ 160 bilhões, ou seja, um terço a menos.

Se o recuo no fluxo de capital externo for igualmente distribuído, teremos, na melhor das hipóteses, um ingresso de US$ 13 bilhões na economia brasileira ao longo do próximo ano. Isso sem computar o "efeito" Peter Blake.

A questão da violência e da sensação de impunidade generalizada, causada pela morosidade da ação judicial e da atualização das leis, tem custado caro ao País. Tudo o que foi conseguido, nos últimos três anos, com o arrocho fiscal do setor produtivo e da classe média poderá ser perdido em pouco tempo se nada for feito para conter a criminalidade.

A verdade é que os sucessivos governos estaduais e federais nas décadas de 80 e 90 estão perdendo a "guerra" para o crime organizado.

Existem, no Brasil, segundo o IBGE, cerca de 50 milhões de excluídos. Destes, talvez, no máximo, apenas cerca de um milhão (2% do total) formem a horda de delinqüentes reais. A população carcerária brasileira é de pouco mais de 150 mil presidiários. Se, para cada detento cumprindo pena, houver mais três soltos e de alta periculosidade, teremos um contingente de 600 mil candidatos à reincidência. Some-se a isso os cerca 400 mil menores carentes que já delinqüiram e chegaremos a um milhão de pessoas.

A omissão e os "diagnósticos" equivocados sobre as causas reais da criminalidade e da violência no País podem levar, no curo prazo, a população e a sociedade e não acreditar mais nas ações policiais e da Justiça. É preciso que o governo acorde para a urgência dessa questão e inicie imediatamente o diálogo com a sociedade civil, as ONGs, os partidos políticos, a mídia e as igrejas sobre o que fazer para diminuir o grau, já insuportável, de violência.

O ponto de partida para abrir o diálogo, em minha opinião, deve ser o abandono definitivo de um grave erro mantido ao longo de duas décadas: o de que o delinqüente é sempre vítima da exclusão social. Ele é vítima, sim, mas, ao delinqüir, transforma-se em algoz da sociedade. Como tal, necessita ser julgado, cumprir a pena e ter seus direitos de presidiário respeitados.

A sociedade já percebeu o erro de priorizar os direitos humanos do delinqüente em detrimento dos direitos humanos da vítima. É preciso corrigir essa política. Afinal, já alertava São Tomás de Aquino, "preservar os lobos é condenar as ovelhas".


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