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Autor:
Helvécio Borges Guimarães
Qualificação:
Analista de Carbono da Econergy Brasil
E-Mail
[email protected]
Data:
31/12/03
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O Jogo Russo no Protocolo de Quioto

A indecisão da Rússia em ratificar o Protocolo de Quioto não passa de um jogo fácil de ser entendido. Com a negativa declarada dos EUA de assinar o Protocolo, a Rússia fica em posição privilegiada nas negociações sobre mudanças climáticas e o mercado de comércio de emissões de gases de efeito estufa, o mercado de carbono, pois somente ela poderá legalizar o reconhecimento do acordo. Basta observar que, ao longo de 2003, foram diversos os sinais antagônicos enviados pelo Kremlin quanto ao assunto mudança climática.

A Convenção Quadro da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudança climática foi o primeiro tratado internacional buscando a redução de emissão de gases de efeito estufa, os gases que provocam o aquecimento global. Este tratado foi aberto para assinatura em 1992, tendo sido assinado por 154 países, incluindo os EUA e a Rússia.

O Protocolo de Quioto é um compromisso, com regras e objetivos definidos, a ser seguido pelos países para a redução da emissão de gases de efeito estufa. Criado a partir da Convenção da ONU, o mesmo estabelece que os países desenvolvidos terão que reduzir a quantidade desses gases emitidos, em média, 5,2% em relação aos níveis de 1990, para o período que vai de 2008 a 2012. O Protocolo entrará em vigor após 90 dias da ratificação, quando duas condições forem atingidas: ele deverá ter sido ratificado por, no mínimo, 55 países e também pelas nações desenvolvidas que representavam pelo menos 55% das emissões de dióxido de carbono de 1990.

O Protocolo já foi ratificado por 120 países, sendo que 44% das emissões dos países desenvolvidos estão representadas. Para atingir o limite mínimo de 55%, há necessidade de que os EUA, com uma emissão de 36%, ou a Rússia, com emissão de 17%, ratifiquem-no. O presidente dos EUA manifestou-se claramente contra, enquanto a Rússia aguarda a definição do processo eleitoral presidencial para tomar uma posição.

É fácil perceber, portanto, que a Rússia tem orquestrado majestosamente a situação. Por um lado, ela não quer desagradar a George W. Bush, presidente americano que não crê na eficácia do Protocolo e de quem ela muito se aproximou, principalmente na iminência da guerra do Iraque, onde seu petróleo mais do que nunca seria necessário para contrabalançar as instabilidades que viriam do Oriente Médio e, assim, garantir a oferta a „preços justos‰ para a sociedade ianque. Por outro lado, é certo também que a Rússia muito deseja fazer parte da Organização Mundial do Comércio, assim como da União Européia, e acaba fazendo de seu „Ás na manga‰ em relação ao Protocolo a cartada necessária para barganhar as melhores condições de sua entrada nessas duas esferas político-econômicas. Caso sua participação ativa não ocorra, que ela seja pelo menos ouvida.

Desta forma, as recentes declarações vindas de Moscou contrárias ao Protocolo, seguidas de outras que dão como certa a participação da Rússia no esquema, nada mais são que cenas de um jogo onde imperam, como não poderia deixar de ser, as barganhas pelos melhores resultados sócio-econômicos. E isso, é preciso admitir, o governo russo tem feito muito bem: pressiona por um maior reconhecimento da sociedade russa pós-URSS, sem desagradar àquele que já foi um dia seu maior inimigo, a águia americana, e, ao mesmo tempo, contradizendo o que dizem certos burocratas, deixa acesa a chama européia indicando que seu posicionamento é, no fundo, favorável ao Protocolo.

O mais importante, porém, é que mesmo com tais indefinições e o Protocolo de Quioto ainda não estar em vigor, o mercado consolida-se a cada dia. Uma estimativa elaborada pelo Banco Mundial indica um crescente aumento no volume de emissões, ou créditos de carbono, transacionado. Este mercado atingiu em 2003 um volume de 70 milhões de toneladas-equivalentes de CO2 - 1 tonelada-equivalente de gás carbônico corresponde a um crédito de carbono, contra 30 milhões de toneladas em 2002 e 13 milhões de toneladas em 2001.

As indefinições e falta de regras de como o mercado irá se comportar têm ainda interferido no valor do crédito de carbono transacionado, com variação de US$ 3 a US$ 15. Por outro lado, a principal razão para o movimento ascendente do mercado refere-se a uma posição firme por parte dos países da comunidade européia de adotar medidas para controlar a emissão de gases de efeito estufa, à semelhança do Protocolo de Quioto. Até o final de Março de 2004, as 14 mil principais empresas emissoras desses gases receberão limites de emissão. A partir de 2005, caso essas empresas venham a ultrapassar o limite estabelecido, receberão uma multa de 40 Euros por tonelada de CO2 emitida em excesso. A partir de 2008, essa multa passa para 100 Euros.

À parte da iniciativa da Comunidade Européia, são aguardadas medidas semelhantes por parte do Japão e do Canadá. Nos Estados Unidos, empresas voluntariamente se uniram para formar a CCX (Chicago Climate Exchange), uma bolsa de comércio de créditos de carbono, onde os participantes têm limites de redução de emissão de gases de efeito estufa.

Para se ter uma idéia, estimativa feita pelo sócio e diretor da consultoria Point Carbon prevê que o mercado de créditos de carbono deve valer US$ 10 bilhões em 2007. Grande parte deste valor deve ser transacionada dentro da comunidade européia. O restante deverá ser distribuído entre operações envolvendo créditos de empresas japonesas e canadenses e do MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - que são créditos gerados em países pobres e em desenvolvimento, como o Brasil.

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