.
Autor:
Sílvio Peccioli
Qualificação:
Prefeito de Santana de Parnaíba e Membro do Fórum Metropolitano de Segurança Pública da Grande São Paulo
E-Mail
[email protected]
Data:
03/06/04
As opiniões expressas em matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição do Empresário Online. Proibida a reprodução sem a autorização expressa do autor.

A Absurda Contradição do Estatuto do Desarmamento

Empresas particulares de vigilância têm prerrogativa mais ampla de portar armas do que Guardas Municipais, embora estas estejam sob legítima tutela institucional. Para as clandestinas não há fiscalização.

O assassinato a tiros do jovem Guilherme Mendes de Almeida, de 15 anos, provavelmente pelo segurança Carlos Almir Oliveira Souza, além da violência explícita do ato, torna evidente uma das mais absurdas contradições legais do Brasil: a diferença de tratamento, quanto à prerrogativa de portar armas, entre as guardas municipais e as empresas privadas de segurança.

No caso deste crime estamos falando de clandestinidade sem fiscalização. Sob as bênçãos da lei, o Brasil tem um "exército" de 500 mil vigilantes armados, trabalhando para 1.500 empresas particulares, registradas na Polícia Federal. Há, ainda, cerca de 600 mil vigilantes trabalhando para 4.500 empresas clandestinas. Dentre estas, estaria a Itaim Vigilância de Comércio e Serviços, empregadora do acusado do bárbaro crime contra o adolescente. O dono desta empresa, conforme divulgou a mídia, é Marcos Lenehrth de Oliveira, ex-cabo da Polícia Militar, da qual foi expulso em 1993, após sindicância.

A comparação de exigências para a concessão de porte de armas para as guardas municipais é absurda. Ao longo de todo o trâmite do Estatuto do Desarmamento no Congresso Nacional, foi extremamente difícil demonstrar a obviedade da importância de as guardas municipais terem a prerrogativa do porte de armas. Depois de muito empenho, de distintas organizações da sociedade, dentre elas o Fórum Metropolitano de Segurança Pública, que reúne os 39 prefeitos da Grande São Paulo, a lei foi aprovada, em 9 de dezembro de 2003, mas limitando o porte de armas às corporações de cidades com mais de 250 mil habitantes (e queriam, originalmente, que fossem 500 mil habitantes...).

Para reparar a falta de bom senso, foi necessário acordo de lideranças, que culminou com medida provisória do presidente da República (já aprovada), baixando o limite para municípios com mais de 50 mil habitantes. Porém, com restrições: os guardas municipais de cidades com menos de 500 mil habitantes podem apenas portar armas quando em serviço. O ideal, na verdade, é que todas as guardas municipais, independentemente da questão demográfica, pudessem ter a prerrogativa de porte, considerando o grau da violência no País. O trabalho dessas corporações, de forma articulada, sinérgica e intercomplementar com a Polícia Militar e a Civil, pode contribuir muito para a redução dos índices de criminalidade, como é possível constatar em alguns municípios onde essa política foi implantada com sucesso.

Agora, o contraponto: desde o início e até o fim do trâmite do projeto do Estatuto do Desarmamento, jamais se questionou a liberdade do porte de arma para seguranças das empresas particulares de vigilância, nem mesmo se criaram formas eficazes de fiscalização para as clandestinas, como a organização na qual trabalha Carlos Almir Oliveira Souza, acusado de ter assassinado com cinco tiros um menino de 15 anos, pelo simples fato de a vítima ter-lhe chamado a atenção por dirigir de forma imprudente, em área da cidade de São Paulo freqüentada basicamente por crianças e idosos.

A sociedade, estupefata, argüi: por que guardas municipais bem treinadas e equipadas, dedicadas à segurança de toda a comunidade e do patrimônio público, e, o que é mais importante, submetidas à tutela e ao controle do Poder Executivo e à fiscalização do Poder Legislativo Municipal enfrentam tantas restrições ao porte de armas? Por que empresas particulares de vigilância voltadas à segurança isolada de pessoas ou empresas, com treinamento precário de seus agentes e apenas com um registro na Polícia Federal têm plena prerrogativa de portar armas, independentemente do índice demográfico dos locais em que atuam? Quem fiscaliza essas organizações, inclusive as clandestinas? Quantos casos iguais ao do jovem Guilherme ainda serão necessários para que as autoridades competentes tenham a coragem de responder a essas perguntas?

.

© 1996/2004 - Hífen Comunicação Ltda.
Todos os Direitos Reservados.