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Autor:
José Matias Pereira
Qualificação:
Professor de finanças Públicas da Universidade de Brasília
E-mail:
[email protected]
Data:
03/08/05
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Choque de Gestão na Administração Pública. Isso é possível?

Existem indícios de que a crise ética e moral envolvendo o Partido dos Trabalhadores (PT), deflagrado com as denúncias de que houve pagamento de um "mensalão" para deputados da base aliada votar em favor dos projetos do governo, poderá provocar a perda de legitimidade do sistema político e se transformar numa crise política e institucional.

O governo, que se encontra no terceiro ano do seu mandato, vem encontrando dificuldades para explicar à sociedade as acusações dessas irregularidades. No bojo desta crise o governo está propondo realizar um choque de gestão na administração pública. Partimos, assim, das perguntas: o que é choque de gestão? Isso é possível neste momento? Podemos observar que o governo Lula encontra-se num dilema, diante de suas próprias contradições e ineficiências.

Tomar decisões corretas, principalmente sobre assuntos técnicos, exige uma administração pública profissional. Os sinais de que isso não ocorre na atualidade está evidenciado em: debates estéreis, criação sistemática de grupos de trabalho, conselhos e disputas políticas localizadas, que são divulgados pela mídia diuturnamente. Evidencia-se que a decisão do governo de nomear seletivamente os dirigentes sindicalistas e os membros do Partido dos Trabalhadores para ocupar a maioria dos cargos de direção na máquina pública do Estado - com 34 ministérios, 189 órgãos da administração indireta, 11 agências e 11 bancos, e 1,8 milhão de servidores civis e militares -, sem levar em consideração a competência técnica, foi uma decisão política equivocada.

É sabido que qualquer governo, para atender adequadamente as demandas da sociedade, necessita de contar com uma administração pública profissional. Isso vale para os Estados Unidos, Alemanha, França ou Brasil. Com a politização da administração pública direta e indireta brasileira era previsível que o desempenho governamental seria prejudicado. É no campo operacional que está a grande dificuldade do governo Lula, pois a administração pública para obter sucesso nas suas políticas públicas depende da competência de seus funcionários. Programas e projetos com deficiências de "gestão" tende a dificultar o alcance dos objetivos das políticas públicas, além de propiciar a geração de corrupção. Um choque de gestão na administração pública deve ter como propósito a modernização do Estado, para torná-lo menos burocrático e mais competitivo. Por meio da eficiência na administração dos recursos públicos, buscará o governo solucionar um maior número de demandas da sociedade, que devem estar traduzidas nas suas políticas públicas contidas no orçamento da União.

Assim, podemos argumentar que a intenção do atual governo de realizar um "choque de gestão" em curto prazo não é uma medida factível. A complexidade e extensão de ações que serão necessárias para viabilizar um projeto dessa envergadura, que necessita ser discutido intensamente com a sociedade organizada, somente irão produzir resultados em médio e longo prazo. Um choque de gestão no Brasil exige que sejam reexaminadas as distorções provocadas pelos custos de uma carga tributária próxima de 40% do PIB - nos três níveis de governo: federal, estados e municípios -, com baixo retorno dessa arrecadação para a sociedade. Exige, também, que sejam adotadas medidas para reduzir as dificuldades na vida dos cidadãos, com imposições burocráticas perversas e injustificadas.

A demora de quase seis meses para a abertura de uma empresa ou a cobrança de 61 diferentes espécies de tributos - fatores que prejudicam o funcionamento da economia - evidenciam que o Estado não está contribuindo de forma adequada para estimular o país a avançar rumo à modernidade econômica. É irreal imaginar que um "choque de gestão" apoiado apenas na imposição de seletividade nos gastos públicos e na definição de metas fiscais - como o aumento do superávit primário para 4,75% do PIB nos próximos três anos -, serão suficientes para viabilizar um programa de estabilização e crescimento. A busca de um Estado moderno e inteligente, menos burocrático e que incentive a competitividade passa pela continuidade da reforma do Estado, redução drástica da burocracia e realização de reformas estruturais nos campos: tributário, previdenciário, judiciário e político, entre outros. Essa é uma tarefa permanente, que perpassa vários governos.

Isso exige a definição de política econômica e de políticas públicas que reciclem a forma de atuação do Estado, o que requer participação popular, vontade política e seriedade na condução da coisa pública.

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