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Autor:
Ana Paula P. Candeloro
Qualificação:
É advogada, Compliance Officer, orientadora do INSPER e Coordenadora de Educação Continuada e Especialização em Direito da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (grade 2012)
E-mail:
[email protected]
Data:
03/08/2011
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A autorregulação na indústria de fundos de investimento

A autorregulação voluntária é aquela que decorre da livre iniciativa dos agentes de mercado para estabelecer padrões de conduta e sanções àqueles que a ela aderirem por ato de vontade. Conduzida e implementada pela iniciativa privada, em geral sociedades sem fins lucrativos, associações ou entidades de classe que tenham credibilidade e representatividade, procuram estabelecer padrões mais rigorosos do que a própria lei, abrangendo até mesmo um universo de operações mais amplo do que aquele atingido pelo regulador estatal, e aos quais os participantes voluntariamente se submetem.

O regulador estatal passa a ser menos exigido e os agentes de mercado tornam-se mais receptivos às normas, uma vez que foram editadas pela própria indústria a que pertencem, e que também prevêem sanções para os casos de descumprimento de preceitos e desvios de conduta.

O autorregulador voluntário supervisiona o cumprimento, pelas instituições participantes, das normas e códigos por ele criados, bem como aplica as penalidades cabíveis quando necessário. Na ANBIMA, por exemplo, há procedimentos sancionadores bem parecidos com os da CVM. Importante destacar, no caso da ANBIMA, como os Compliance Officers passaram a ser o ponto focal para o relacionamento com a área técnica, sendo envolvidos nas supervisões efetuadas. Regras e procedimentos relativos a Compliance foram inseridos nos Códigos de Autorregulação de Serviços Qualificados (Custódia), Private Banking, Ofertas Públicas e Fundos.

Maria Helena Santana, presidente da CVM, em encontro realizado em 29 de abril de 2009 com a então ANBID e profissionais de Compliance, “cita como modelo a estrutura piramidal de agentes supervisores do cumprimento das normas em vigor, que tem como base os responsáveis pelos controles internos das instituições, seguido dos profissionais em cargo de autorregulação em nome da associação de classe e, no topo dessa pirâmide, o regulador do mercado de capitais.

O funcionamento adequado e eficiente dessa estrutura permite a rápida detecção de problemas e sua solução, sem comprometer a integridade do mercado e as ações de proteção ao investidor. A presidente da CVM também afirmou que o aprimoramento constante desses controles e o estreito relacionamento dos responsáveis pelos três níveis de fiscalização da legislação representam ferramentas valiosas para a prevenção eficaz de problemas”. * fonte: assessoria comunicação CVM

No encontro de abril de 2009 “foram discutidas questões que favorecem o funcionamento dos Compliance Officers como agentes indutores de um ambiente de maior rigor no cumprimento das normas legais, regulamentares e autorregulatórias. Isto se traduz em um gerenciamento de riscos corporativos, contribuindo para assegurar uma comunicação eficaz, cumprimento das leis e regulamentos, além de evitar danos à reputação da organização.
Essa atuação propicia a adoção de medidas preventivas pontuais, resultantes da identificação de procedimentos internos e externos que poderiam levar à apuração de irregularidades. Assim, evita-se que o autorregulador e o regulador precisem acionar seus mecanismos disciplinares.” * fonte: assessoria comunicação CVM

No que diz respeito à indústria de fundos, a autorregulação voluntária bem sucedida e organizada objetiva proteger o investidor, coibindo comportamentos de concorrência desleal entre fundos, por exemplo. Como já comentado, a ANBIMA possui seus próprios procedimentos sancionadores que são aplicados aos sócios e aderentes que descumpriram as regras de seus códigos.

No âmbito da discussão de proteção ao investidor vale lembrarmos:

Um sujeito importante é o administrador, que é aquele que tem o poder de praticar atos para o bom funcionamento e manutenção do fundo e será responsabilizado, juntamente com o gestor, caso não observe a política de investimentos descrita no regulamento do fundo ou o limite de concentração da carteira, por exemplo. É responsável, ainda, por todos aqueles prestadores de serviço que vier a contratar para o fundo, a começar pelo gestor. O administrador responderá pelos seus atos perante os investidores, quotistas do fundo, bem como perante a CVM, e o gestor poderá também responder por atos de má gestão. Diligência é a palavra de ordem (“duty of care”).

Em termos de documentação que dá suporte e origem à constituição e funcionamento do fundo, temos o regulamento, que estabelece as regras de funcionamento e operacionalização de um fundo de investimento, determinando direitos e deveres do investidor, administrador, gestor. Exige identificação das taxas e das condições de aplicação, resgate e exercício do direito de voto, indicação da tributação aplicável, política de investimentos, de distribuição dos resultados, de divulgação de informações e fato relevante.

Já o prospecto é o documento que contém as informações relevantes para o investidor sobre, dentre outros, a política de investimentos dos fundos e o detalhamento dos riscos envolvidos (“risk disclosure”).

É a política de investimentos que define o perfil da carteira, limites de concentração e como o patrimônio será aplicado. O apetite do gestor, que deve objetivar sempre as melhores condições de aplicação para o fundo, deve estar perfeitamente alinhado ao apetite do investidor, do que decorre que o investidor deve aceitar os fatores de risco após ter feito uma análise prévia da compatibilidade entre a complexidade ou sofisticação dos produtos e ativos nos quais o fundo irá investir e o seu perfil ou apetite de risco (“suitability”).

No que diz respeito às informações estas devem ser divulgadas de forma transparente e confiável (“full disclosure”), que é um dos elementos que desencadeará a confiança do investidor.

A liberdade admitida na gestão dos ativos de um fundo será função do nível de informação comprovadamente recebida pelo investidor e da sua aptidão para compreender os riscos aos quais seu patrimônio está exposto - aptidão esta presumida como proporcional a sua capacidade de investimento.

O “full disclosure” é fundamental. As ações da CVM, na sua capacidade de regulador estatal, buscam um nível adequado de proteção aos investidores. Rafael La Porta, professor de Economia da Universidade de Harvard, já afirmava que a manipulação dos resultados é mais presente em países onde é fraca a legislação de proteção ao investidor.

É interessante também lembrarmos as constatações de George Akerlof, professor da Universidade de Berkeley e Prêmio Nobel de Economia em 2001, que afirma que prestar informações é fácil, porém informações críveis e confiáveis é difícil.

A Escola de Chicago, fundada pelo Prêmio Nobel de Economia em 1976 Milton Friedman, tinha a teoria de que muita informação é desinformação e acaba sendo maléfica.

De qualquer forma, não há como escaparmos do “full disclosure” como um dos alicerces que dão suporte às regras de proteção ao investidor.

E é neste cenário que se destaca a atuação do Compliance Officer. Em última análise, protege os interesses da instituição e dos clientes que nela confiaram, zelando pelas práticas da boa governança corporativa.

Segundo a IOSCO – International Organization of Securities Commissions, no trabalho "Study On What The Regulations Of The Member's Jurisdictions Provide For The Function Of Compliance Officer” o Compliance Officer é responsável por aconselhar todas as linhas de negócios da instituição bem como todas as áreas de suporte no que diz respeito à regulamentação local e políticas corporativas aplicáveis à indústria em que atua a instituição, sempre zelando pelos mais altos padrões éticos de comportamento comercial. Além disso, o Compliance Officer coordena com outras áreas de controle a efetiva comunicação com reguladores e facilita a estruturação de produtos, desenvolvimento de negócios e busca encontrar soluções criativas e inovadoras para questões regulatórias bem como discussões internas.

Na indústria de fundos o Compliance Officer, além de desempenhar e ser responsável pelas as atividades elencadas acima, especificamente:

monitora “front running”, “insider trading” (por meio da política de investimentos pessoais) e “best execution” (por meio das políticas de melhores práticas de execução de operações);

revisa o material de marketing (publicidade, divulgação de material técnico de fundos e manuais de precificação de ativos);

monitora (i) as atividades de gestão, incluindo políticas de uso de celular e comunicação eletrônica (email, chats Bloomberg, mídia social); (ii) a execução de ordens (operação entre fundos, alocação e reespecificação de ordens); (iii) a divulgação de aquisição ou alienação de participação acionária;

participa (i) do processo de avaliação e revisão dos prestadores de serviços (distribuidor, custodiante, “back office”, corretoras, etc); (ii) do processo de avaliação e revisão dos gestores; (iii) do processo de análise e comunicação de perdas operacionais;
auxilia no desenvolvimento de políticas, procedimentos e controles (i) do gerenciamento de liquidez do fundo, (ii) do exercício de direito de voto em assembléias, (iii) do registro de fundos em órgãos reguladores e autorreguladores, (iv) da obtenção das certificações aplicáveis (CPA20, CGA, por exemplo), (v) das regras para distribuição dos fundos e aplicação por investidores qualificados; tudo sem mencionar as tradicionais políticas de prevenção à lavagem de dinheiro, conflito de interesses, barreiras de informação, segregação de áreas e governança corporativa.

Como podemos depreender, tanto regulador quanto autorregulador voluntário acreditam na importância do Compliance Officer como elemento de prevenção eficaz de problemas, configurando-se em um diferencial para o investidor que sente que seus ativos estão sendo devidamente protegidos.

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