.
Autor:
Olivar Lorena Vitale Junior
Qualificação:
Advogado da banca Tubino Veloso e Vitale Advogados
E-mail:
[email protected]
Data:
05/07/05
As opiniões expressas em matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição do Empresário Online. Proibida a reprodução sem a autorização expressa do autor.

Nem em Caso de Fiança e nem bem de Família pode ser Penhorado

Desde 1990 (Lei 8.009, de 29 de março), tem-se a regra impeditiva da penhora judicial do chamado bem de família do devedor, isto é, aquele imóvel cujo destino é sua moradia, bem como a de seus familiares.

Em 1991, a Lei 8.245, de 18 de outubro, também conhecida como Lei de Locação, para muitos ferindo o princípio da isonomia, inovou, incluindo uma nova hipótese, das poucas existentes, de exceção a esta regra de impenhorabilidade, consistente na possibilidade de penhora do bem de família decorrente de dívida por fiança em contrato de locação. Ou seja, desde então, qualquer dívida assumida diretamente pelo proprietário do bem, que não envolvesse o próprio imóvel, não levaria sua residência e de sua família à constrição e posterior leilão. Entretanto, este mesmo proprietário, figurando como garantidor de um locatário qualquer em contrato de locação, na qualidade de fiador, teria sua residência e de toda a família penhorada e eventualmente alienada em leilão judicial. Aludida exceção, imposta por artigo isolado na Lei de Locação, abrandou consideravelmente a intenção do legislador contida na Lei 8.009, de 1990, de proteger a residência da família de dívidas estranhas ao próprio imóvel. Tanto assim que as exceções que permitem a penhora, existentes desde 1990 na Lei 8.009, a não ser a decorrente de dívida de alimentos, dizem respeito a dívidas relacionadas com a própria residência (impostos, despesas condominiais, dentre outras).

Paralelamente a tal paradoxo, em 2000 entrou em vigor a Emenda Constitucional 26, de 14 de fevereiro daquele ano, que elevou o direito à moradia do homem e de sua família à condição de "fundamental". Foi equiparado, assim, aos até então já aclamados direitos à educação, saúde, trabalho, segurança, previdência social, proteção à maternidade e infância e assistência aos desamparados.

Instado a se pronunciar a respeito da contradição existente na permissão legal da penhora do bem de família por dívida decorrente de fiança em contrato de locação, em especial pelo reconhecimento do direito à moradia como fundamental pela Emenda Constitucional 26 de 2000 (apreciação de eventual ferimento a norma constitucional), o Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo acórdão relatado pelo ministro Carlos Velloso (Rext 352.940-4/SP de 25 de abril de 2005), acaba por decidir que tal exceção autorizadora da penhora do bem (art. 3º da Lei 8009/90) não foi recebida pela elevação do direito à moradia a direito fundamental, consagrado no artigo 6º da Constituição Federal (Emenda Constitucional 26/2000), razão pela qual o bem de família, em dívida decorrente da assunção de fiança em contrato de locação, também é impenhorável. Cuidou o douto relator ministro Carlos Velloso de pontuar que referido artigo legal que prevê a exceção, além de atingir o direito fundamental à moradia (garantido constitucionalmente), fere diametralmente o princípio da isonomia, visto que trata desigualmente situações absolutamente iguais.

Fundamental notar, ainda, que por colidir com norma constitucional (direito fundamental), tecnicamente o artigo de lei de 1991 não foi recebido pelo quanto introduzido pela Emenda Constitucional de 2000, o que vale dizer que todos os casos que geraram ou gerarão penhora de bem de família de fiador em contrato de locação, com processo ainda em curso, seja qual for a data do contrato, são passíveis de questionamento constitucional com base na tese abraçada pelo acórdão mencionado. É de se notar, também, que se trata de decisão isolada, única e recentíssima. Entretanto, considerando que há anos a exceção por assunção de fiança em locação vem sendo questionada por doutrinadores e estudiosos da matéria, tanto por sua falta de motivação, quanto por atingir o princípio da isonomia, o posicionamento inicial do Supremo Tribunal Federal, com base no direito à moradia como direito fundamental (artigo 6º da Constituição Federal), decerto será capaz de alterar o posicionamento dos julgadores de instâncias inferiores neste mesmo assunto.

E o conseqüente reflexo na sociedade, por conseguinte, será inevitável. Locadores e administradoras de imóveis possivelmente exigirão do fiador, por meio de certidão atualizada de propriedade do Registro de Imóveis, comprovação da titularidade de algum imóvel, além da residência, livre de ônus e constrições, de forma a presumir a satisfação do crédito em caso de não pagamento do valor locatício pelo locatário.

.

© 1996/2005 - Hífen Comunicação Ltda.
Todos os Direitos Reservados.