.
Autor:
Manoel Messias da Silva
Qualificação: Presidente do Sicoob Central Cecresp (Central das Cooperativas de Crédito do Estado de São Paulo)
E-mail:
[email protected]
Data:
05/09/2007
As opiniões expressas em matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição do Empresário Online. Proibida a reprodução sem a autorização expressa do autor.

Os Filhos da Inflação

Felizmente os anos de instabilidade da moeda brasileira ficaram para trás, mas as conseqüências de mais de 20 anos de inflação galopante ainda persistem em toda uma geração que não aprendeu a dar o devido valor ao dinheiro. Empréstimos em bancos e financeiras, cartão de crédito no rotativo, uso constante do cheque especial e consumo desenfreado são situações vividas por milhares de brasileiros e que só se agravam com a maior oferta de crédito no mercado. A conseqüência natural não poderia ser outra: acúmulo de dívidas e aumento da inadimplência.

A recente crise no mercado imobiliário nos Estados Unidos serve de exemplo para refletirmos sobre a importância de conscientizarmos nossa população para que o mesmo não aconteça com a economia brasileira. A abundância de crédito no mercado norte-americano gerou a inadimplência devido à tomada do dinheiro fácil, mas de forma desorientada e até irresponsável.

A Fecomércio (Federação do Comércio do Estado de São Paulo) revelou que, em julho, 57% dos paulistanos atrasaram algum tipo de compromisso. A causa deste endividamento é porque a população não sabe planejar seus gastos. Diagnóstico recentemente divulgado pelo Banco Central mostra que, em 2006, a inadimplência respondeu por 43,4% do spread bancário. Em 2005, representava 35,9% e, em 2000, era de 30,7%. Segundo o estudo, as operações vencidas e não pagas há mais de 90 dias subiram de 4,2% para 5% no último ano.

Ou seja, a inadimplência funciona como um fermento para os juros bancários praticados no país. Pior: alimenta um ciclo vicioso – a inadimplência mantém os juros altos que, por sua vez, são o principal ingrediente para a inadimplência. Soma-se a isso uma grande dose de falta de orientação e planejamento financeiro e temos o pior cenário possível.

Percebendo a necessidade de mudar a forma como o brasileiro lida com o dinheiro, o Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização (Coremec) está montando um grupo de trabalho para criar uma Estratégia Brasileira de Educação Financeira. A iniciativa merece o apoio de todas as entidades que realmente se preocupam com o futuro da nação. Neste caso, os projetos desenvolvidos pelo sistema cooperativista podem servir de base para o grupo de trabalho.

O Brasil precisa recuperar a cultura de poupança, prática que se perdeu nos tempos de inflação alta. A capitalização mensal, utilizada por muitas cooperativas de crédito para aumentar seu patrimônio e a capacidade de empréstimos, é um exemplo de estímulo à poupança. Ao integralizar o capital todos os meses, o cooperado se força a reservar uma parte do seu salário. Esta “poupancinha” vai rendendo juros e, sem perceber, forma uma reserva financeira que é recuperada quando o associado sai da cooperativa.

A Cooperembraer, formada por funcionários da Embraer, em São José dos Campos, criou, em 2003, o Serviço de Orientação Financeira (SOF), um programa de administração do orçamento doméstico que possibilita a descoberta de oportunidades e define antecipadamente as estratégias para enfrentar cada situação. Já a cooperativa de crédito dos funcionários do Grupo Cosan ensina matemática financeira para alunos de escola da comunidade. Os adolescentes aprendem a comparar preços, calcular juros, fazer investimentos. Seguindo a linha de preparar gerações futuras, o Bancoob, Banco Cooperativo do Sicoob, disponibiliza cartilhas, cofrinhos e jogos para as cooperativas do sistema distribuírem para seus associados.

Sabemos que o universo cooperativista tem pouco fôlego para educar toda a população brasileira, mas a experiência pode se somar aos programas já desenvolvidos pelo Banco Central como o Museu-Escola, Museu Vai à Escola, Projeto BC e Universidade e BC Jovem. Ou pelo Serasa, que lançou uma cartilha pra evitar a inadimplência e garantir o futuro financeiro das pessoas. São iniciativas bem-vindas, ainda pouco divulgadas, mas que podem e devem ser copiadas. Só não podemos esperar que a população aprenda como usar seu dinheiro nas cartilhas distribuídas por bancos e financeiras que, em sua maioria,  não praticam a educação financeira; apenas orientam como utilizar os produtos ou serviços.

Uma coisa é certa: a inadimplência precisa ser combatida e isso só vai acontecer quando os cidadãos tiverem consciência do valor do dinheiro. O Brasil precisa de uma intervenção já. Precisamos que cada entidade representativa dê a sua contribuição para que as próximas gerações de brasileiros não reproduzam os mesmos erros dos filhos da inflação.

.

© 1996/2007 - Hífen Comunicação Ltda.
Todos os Direitos Reservados.