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Autor:
João Migliano
Qualificação:
Mestrado em Administração
E-mail:
[email protected]
Data:
06/06/2011
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Resenha: Miopia em marketing

PRÓLOGO

Theodore Levitt nasceu na Alemanha no primeiro quartil do século passado e faleceu no principio do corrente nos Estados Unidos seu país de adoção. Economista, mas amplamente conhecido por seus trabalhos na área de marketing, principalmente após a publicação do artigo objeto desta resenha na Harvard Business Review - HBA em 1960, periódico acadêmico do qual foi editor, além de professor emérito da instituição de mesmo nome. A partir de 1983, notabilizou-se também por empregar pela primeira vez o termo globalização, ao referir-se a uma abordagem mais ampla para os propósitos de uma organização, qual seja a de criar e cativar consumidores globalmente, ao invés de focalizar exclusivamente a obtenção e manutenção de lucros locais. O presente artigo de Levitt é citado com freqüência por diversos autores, inclusive por Peter Drucker, um dos maiores pensadores da Administração do Século passado.

MIOPIA EM MARKETING
Theodore Levitt - Best of HBR: 1960, Reprint R040L

INTRODUÇÃO

Theodore Levitt (1960) inicia seu famoso artigo dizendo que:

Todo grande setor de atividade apresentou, em algum momento, uma rápida expansão. Mas alguns que atualmente cavalgam uma onda de crescimento com entusiasmo, estão de fato mais próximos das sombras do declínio. Outros que se consideram maduros e crescentes estão, na realidade, estagnados. Em todos os casos a razão pela qual o crescimento é ameaçado, retardado ou interrompido não é porque o mercado está saturado, mas sim porque ocorreu uma falha de gestão.

Na seqüência, o autor passa a contextualizar o pensamento acima, classificando, discorrendo, caracterizando e exemplificando diversas situações, nas quais, em sua opinião e do ponto de vista estratégico de marketing e de negócios, as ações dos gestores foram equivocadas, mas que, por outro lado, contribuíram para a idéia, concepção, coleta de material e título do artigo em pauta sumarizado a seguir.

Proposta equivocada

De acordo com o autor, as diferenças de enfoque estratégico de marketing ou simplesmente da proposta da empresa, podem resultar no fracasso ou sucesso de uma organização, ou de todo um setor de atividades, alguns claramente evidentes, outros menos óbvios, conforme indicados e exemplificados abaixo:

a) ferrovias - setor logístico de grande importância estratégica para qualquer país, que nos Estados Unidos, em particular, vivenciou “anos dourados”, mas que atualmente apresenta um declínio generalizado, por ter sido tratado isoladamente como setor ferroviário e não como um modal inserido em um contexto mais amplo como o da indústria de transporte;
b) Hollywood - ameaçada por vídeos e outras mídias, foi posicionada como indústria cinematográfica ao invés de indústria de entretenimento, com sentido mais amplo;
c) nylon e vidro - Du Pont e Corning Glass Works, respectivamente, com produtos, tecnologia e marcas amplamente conhecidas, que, além de disporem de produtos diferenciados e mesmo focalizando suas indiscutíveis competências e capacidades técnicas, não deixam de observar o que seus clientes e o mercado demandavam das mesmas.
d) alumínio - material versátil, repositório de energia, com ciclo de logística reversa favorável e economicamente conveniente, mas que sem a visão e ação das empresas Kaiser Aluminium & Chemical Corp. e Reynolds Metal Co., não apresentaria o conhecimento, emprego, aplicações e demandas atuais.

Análise equivocada

As comparações entre os setores acima pode parecer indevida, pois ferrovias x alumínio apresentam características, versatilidade, aplicação, públicos e mercados certamente muito diferentes, todavia o autor argumenta que essa aparente disparidade reforça sua tese de que a visão focada no produto pode restringir a definição de uma estratégia ainda maior da empresa, provocando seu fracasso, completando dizendo que: “o que falta às estradas de ferro não é oportunidade, mas sim uma engenhosidade e uma gestão mais ousada que as engrandeçam” e finalizando citando Jacques Barzun em Trains and the Mind of Men (1961, p. 21), que corrobora os pensamentos anteriores:

Entristece ver a mais avançada organização social e de recursos criada no século passado, mergulhada no envelhecimento e descrédito pela ausência da imaginação que a construiu. Falta às empresas (ferrovias - NA) a vontade de sobreviver e atender ao seu público com competência e criatividade.

A SOMBRA DA OBSOLESCÊNCIA

Vários se não todos os setores econômicos experimentaram de alguma forma e por algum momento, a síndrome do “setor de mais rápido crescimento”, processo este lastreado pela superioridade técnica de seus produtos, considerada insuperável e inabalável. O autor apresenta diversos exemplos que ilustram essa falha de percepção da realidade, a saber:

a) lavagem a seco: processo desenvolvido para a limpeza de peças de vestuário confeccionadas com lã, mas que caiu em desuso com o desenvolvimento de produtos químicos alternativos para a lavagem da lã, de forma mais eficiente e barata, ou pela substituição dos próprios tecidos por fibras sintéticas mais leves, mais fáceis de cuidar e que não requerem tratamentos especiais;
b) aparelhos elétricos: desnecessário discorrer sobre a substituição da iluminação a querosene por gás, posteriormente pela lâmpada incandescente, seguida pela de descarga elétrica em meio gasoso, até os dispositivos atuais: Light Emitting Diodes - LED’s e Organic Light Emitting Diodes - OLED’s. Assim como da roda d’água, pela máquina a vapor e esta pelos motores elétricos, com maior simplicidade, versatilidade e eficiência. A própria geração e distribuição da energia elétrica esta sendo contraposta por tecnologias alternativas tais como: nuclear, química, eólica, solar e outras que estão por vir.
c) mercearias: substituídas pelas grandes cadeias de supermercados, devido ao poder de compra sobre fornecedores, assim como oferta de valores e outras facilidades apresentadas aos clientes por essa nova modalidade de varejo de produtos de consumo doméstico e pessoal, associada ao descrédito de proprietários de antigos pequenos negócios de esquina que não visualizaram a força e importância do novo modelo de negócios e acreditaram que seus clientes continuariam dando valor à antiga forma de fazer compras: “os poucos pequenos comerciantes que sobreviveram a esse processo de modernização mantiveram o orgulho, mas perderam a camisa”.
d) falsa crença: acreditar que algo não mudará com o passar dos tempos é desacreditar na força e poder transformador galopante dos novos messias gêmeos: a química e a eletrônica, que em outras palavras significa investir em uma nova fábrica de lâmpadas incandescentes, quando alternativas mais eficientes, que apresentam vida mais longa, com menor consumo já são conhecidas e estão disponíveis no mercado1.

De acordo com o autor, existem quatro condições para que um ciclo equivocado de crenças se manifeste, instale e provoque o desastre de uma operação, a saber:

a) a crença de que o crescimento está assegurado pela expansão e afluência da população;
b) a crença de que não existem substitutos competitivos para os produtos das grandes empresas;
c) a crença no aumento da produção em massa e do surgimento de um “circulo virtuoso” provocando reduções de preço como conseqüência do aumento de volume;
d) a crença em produtos que demandem experimentos científicos controlados especiais, melhorias ou reduções de custo de produção.

O autor segue discorrendo e exemplificando diversas situações, todavia com mais ênfase para a indústria do petróleo que simplesmente sintetizaremos, acrescentando vez por outra, algum comentário relevante, tal como descrito na nota abaixo, de forma a complementar e atualizar as constatações originais.

O MITO DA POPULAÇÃO

A crença de que os lucros e crescimento estão assegurados pela expansão da população e conseqüente maior afluência de consumidores é, em outras palavras o “ente querido” que está presente no “coração” de qualquer organização. De fato, se a população cresce e a demanda dos produtos à acompanha, esse situação pode gerar um estado de conforto, segurança e ausência aparente de problemas que, para serem resolvidos, exigem o desenvolvimento de novas soluções. A ausência de problemas pode levar à estagnação.

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1 - NA: adicionamos a citação de tecnologias mais recentes com o objetivo de reforçar a idéia original de Levitt.

Segundo o autor, a aparente falta de problemas em um setor ou empresa, pode levar a uma situação de conforto, que provoca um estado de torpor, reduzindo o pensamento, estado de alerta e as capacidades de percepção das ações da concorrência. Assim, não existe uma situação estável e confortável, mas sim um ambiente dinâmico, sujeito a variações imprevisíveis, frente às quais a manutenção de uma atitude pró-ativa, sem descuidar da capacidade de percepção das mudanças tênues ou radicais diuturnas, como também da competência para disparar mecanismos de ações reativos ou alternativos, de forma imediata, a fim de reduzir, neutralizar, ou idealmente superar as expectativas das novas demandas.

O autor continua discorrendo sobre situações particulares da indústria do petróleo, tecendo considerações e observações absolutamente pertinentes, sendo oportuno lembrar que essas observações foram elaboradas antes da ocorrência da seqüência de crises mundiais originadas por esse setor de atividade econômica, que, por sua vez, reforçam os conceitos e as idéias apresentadas pelo citado.


PRESSÕES DA PRODUÇÃO

Empresas de produção em massa são impelidas por uma grande força invisível a fabricar tudo o que for possível. A expectativa de custos cada vez menores, resultantes do crescimento de volume e conseqüentemente aumento do lucro, forçam o foco excessivo nesses aspectos e, não raramente, as atividades de marketing são negligenciadas.

John Kenneth Galbraith citado e ao mesmo tempo criticado pelo autor, uma vez que Galbraith critica, todavia com propriedade, certos exageros, mau gosto na concepção e veiculação de mídias por parte de determinadas empresas, omitindo, entretanto, segundo Levitt, considerações sobre o aspecto estratégico que deveria embasar essas ações e finaliza dizendo que: “as diferenças entre vendas e marketing não se restringem à semântica, vendas focaliza as necessidades da empresa, ao passo que o marketing focaliza as necessidades do cliente consumidor”.

Retomando a conceituação original, como também o idioma original, Levitt diz que:

sustained growth depends on how broadly you define your business and how carefully you gauge your customers’ needs.

e mais:

The marketing effort is still viewed as a necessary consequence of the product - not vice versa, as it should be.

O autor estende essa conceituação e análise citando e discorrendo sobre Henry Ford, que foi, talvez, a mais notável personalidade empresarial do Século passado, dizendo que Ford foi celebrizado pela invenção da linha de montagem, sendo criticado por sua visão de marketing ao dizer que: “todos tem a opção de comprar qualquer veículo desde que seja um Ford e preto”.

Levitt, com muita propriedade faz uma inversão do contexto acima, dizendo que na realidade Ford foi um gênio de marketing, pois vislumbrou a possibilidade de muitos poderem adquirir um veículo desde que o preço fosse acessível. Assim impôs o preço e tratou de obter a realização da margem como conseqüência da redução de custos. Dessa forma, segundo o autor a linha de montagem idealizada por Ford, foi uma conseqüência de sua ação visando compatibilizar os custos para atender aos anseios de mercado e não ao contrário, tal como considerado por outros autores.

Considerações similares são estendidas a indústria do petróleo e a caracterização dos combustíveis, em particular da gasolina, descrita por Levitt como um “imposto invisível” que pagamos ao abastecer um veículo para adquirir o direito de ir e vir livremente. Quanto as estações de serviço, por mais atrativas que possam se tornar, nunca deixarão de ser vistas pelos consumidores como os “agentes de coleta” do imposto acima citado.

O PERIGO DA PESQUISA E DESENVOLVIMENTO

Outro grande perigo que ronda as empresas que experimentam grande crescimento é a fixação do pensamento da gerência na pesquisa e desenvolvimento de produtos, tais que possam eternizar essa situação.

A indústria eletrônica é um exemplo de setor particularmente afetado por essa situação pois um produto ou tecnologia podem provocar um modismo, ao cair no gosto popular e a aceitação do produto pode atingir níveis sem precedentes. O erro dos administradores nesses casos é dar mais ênfase à pesquisa e desenvolvimento da tecnologia que gerou tais fatos e aí é que está o problema, focalizar demasiadamente a tecnologia ou o desenvolvimento da mesma e não a pesquisa e interpretação do comportamento dos consumidores que provocaram a situação.

Faz-se necessária a transcrição do texto original, claro, conciso e objetivo, para a interpretação correta desse contexto:

Its not surprising that, having created a successfull company by making a superior product, management continues to be oriented toward the product rther than the people Who consume it.

O autor contrasta o exemplo da indústria eletrônica acima, indústria que emprega tecnologia de ponta por excelência na pesquisa, desenvolvimento e concepção de novos produtos, com, novamente, a indústria do petróleo, na qual o emprego de tecnologia e desenvolvimento não é menos importante, mas que neste caso está, seguindo Levitt, orientado de forma equivocada, ou seja: prospecção (encontrar), produção (extração), refino (transformação e adequação) e distribuição (entrega em grande escala, operação de oleodutos).

Nesse modelo estratégico o focaliza-se o produto e o processo de produção de combustíveis e não a oferta de mobilidade, mais ampla e que reflete o desejo do consumidor, que ficou ignorado.


O PRINCIPIO E O FIM

O entendimento de que uma indústria é um processo de satisfação de necessidades de clientes e mercados é fundamental para o sucesso da organização. Uma indústria principia com a satisfação de uma necessidade e não pela disposição de um material, produto, patente ou pela oferta de capacidade, ou competência de produção e vendas.

O cliente e a satisfação de suas necessidades mais profundas, não é o “problema”, mas sim a solução, a “mola mestra” propulsora de qualquer negócio. Dessa forma, qualquer organização, de qualquer porte deve entender rapidamente que seus processos não produzem bens ou serviços para serem vendidos, produzem sim bens e serviços, mas para “adquirir” um cliente.


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