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Autor:
Dr. Rodrigo Jacobina
Qualificação: Sócio do Escritório Dória, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados Associados
e-mail:
[email protected]
Data:
08/04/2008
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Segurança jurídica e fraude constitucional

Qualquer sociedade organizada tem na segurança um de seus pilares. Quando falamos de segurança, pensamos logo em segurança pública, segurança da vida e dos bens dos cidadãos. Entretanto, quando a Constituição garante, em seu artigo 5º, a segurança, não está apenas a tratar desta ou daquela segurança, está garantindo toda e qualquer segurança, seja ela pública, nas relações institucionais ou, notadamente, a jurídica.

A segurança jurídica é aquela que, quando presente, estabiliza as relações jurídicas. É esta segurança jurídica que o estilo de fazer política no Brasil vem, gradativamente, impondo rasgos e fissuras.

Temos vários exemplos. A decisão do governo de retirar da 9ª rodada de licitações para a exploração e produção de petróleo e gás áreas nobres, gerando uma imagem de insegurança que acabou registrada pelos interessados na licitação. Outra grande insegurança é o fato de que projetos de infra-estrutura têm o seu licenciamento ambiental efetuado justamente pelo órgão a quem cabe a preservação. Ora, preservar não é conceitualmente, morfologicamente ou filosoficamente congruente com o desenvolvimento de infra-estruturas, tais como hidrelétricas, estradas, ferrovias, portos, dentre outros. A segurança jurídica destas relações deveria ser garantida por um órgão imparcial, a quem coubesse equilibrar preservação e desenvolvimento, ou, como muito falamos, buscar o desenvolvimento sustentável. Segurança é estabilidade, estabilizar a crise, só um órgão independente – não comprometido com a preservação, nem com o desenvolvimento – pode estabilizar a crise entre preservar a natureza e a promoção do desenvolvimento. Recentemente, o próprio governo se deu conta do problema e licitou a hidrelétrica do Rio Madeira já com a Licença Prévia do IBAMA, ou seja, um atestado de viabilidade ambiental do projeto, ao contrário de tantos outros projetos apresentados sem nenhuma licença.

São exemplos de insegurança patrocinadas pelo nosso estilo de fazer política. Este é o problema dos governos no Brasil; adotamos posturas que são derivadas dos interesses instantâneos. E isso se revela com especial contorno na nossa política tributária.

A nossa política tributária – a forma de condução do processo tributário – é voltada para a supressão de necessidades imediatas de caixa. Não temos uma estrutura tributária que busque prover ao governo recursos financeiros para que ele possa desempenhar o seu papel; temos uma estrutura que busca levar recursos para necessidades específicas, que vão desde a construção de uma ponte, à manutenção de uma emenda parlamentar ou ao equilíbrio das contas públicas. Se usamos a política tributária como instrumento para preencher buracos deixados pelas despesas públicas, estamos com uma visão casuística e míope do problema. O nosso problema não é de política tributária, mas de política orçamentária. Falta planejamento.

A tributação é uma das fases de uma complexa dinâmica. Temos que analisar a questão pelo viés orçamentário, encarando despesas e receitas e não apenas as receitas.

Quanto às despesas, temos que vincula-las a idéia de que são as mesmas necessárias à consecução das necessidades públicas e não a objetivos eleitoreiros ou ao atendimento de reclamos restritos a um determinado grupo social. Quanto à receita, temos que dinamizar o processo de sua obtenção, estudando e desenvolvendo estruturas de arrecadação que sejam eficientes e desonerando investimentos que façam a economia se desenvolver, criando mais empregos, criando mais renda e, como conseqüência natural, aumentando a arrecadação.

Episódio que bem ilustra esta questão é o fim da CPMF. O governo se viu obrigado a rever o orçamento, negociar com os outros poderes da União, em suma, repensar a despesa. Pensaríamos: ponto para o governo que melhorou a visão míope do problema e em razão da supressão de uma fonte de receita, foi trabalhar nos destinos, na despesa. Mas, isso é mesmo uma demonstração de cura da miopia de gestão orçamentária? Infelizmente não. É mais um discurso de pressão do que a mudança de um paradigma de nosso jeito de fazer política.

O governo, que num primeiro momento refutou publicamente o aumento de impostos, esperou apenas a virada do ano para mudar a arrecadação do IOF. E por que o IOF? Simples; trata-se de imposto que não tem, por natureza, função arrecadatória. É um imposto que funciona como instrumento de intervenção na economia – para estímulo ou desestímulo de determinadas operações. Por tal natureza a Constituição prevê que ele é uma exceção ao princípio da anterioridade – aquele que determina que um aumento de tributo só produza efeito no exercício seguinte –conseqüência direta da tal segurança jurídica.

Em suma, o governo se valeu de uma exceção constitucional para usá-la em objetivo diametralmente oposto àquele que balizou a criação do tributo. Para aumentar a arrecadação – por quê? – o governo se valeu do IOF, justamente o imposto que não tem esta função.

Periga, num próximo movimento, termos alterações significativas no IPI. Este, por sua vez, também não tem viés meramente arrecadatório – trata-se, em sua gênese, de um instrumento de estimulo ou não da indústria (esta era a concepção original do IPI, quando de sua criação, muito embora hoje suas receitas sejam significativas). Mais uma vez, o governo, em ano eleitoral (dado relevante como todos sabem), pode se sentir tentado a usar de uma exceção constitucional derivada da função não arrecatatória de um tributo, justamente para aumentar a arrecadação.

É de assustar este estilo de política, de usar exceções coerentes com a natureza dos tributos para fins diametralmente opostos; este comportamento frauda o sistema concebido em 1988, frauda a Constituição como carta de princípios, como sistema harmônico e, o pior de todos, nos furta a segurança. Se o governo não nos dá segurança, quem nos dará?

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