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Autor:
Mário César de Camargo
Qualificação: Presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf)
Site: www.abigraf.org.br
Data:
09/05/06
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Heróis Anônimos

O Brasil ainda não converteu a democracia em desenvolvimento e justiça social

Há cerca de 2.300 anos, o filósofo grego Aristóteles, em sua obra “Política”, salientou que “o Estado é a forma mais elaborada da sociedade, pois somente ele tem por finalidade a vida bem-aventurada dos homens livres”. Lamentavelmente, ao longo da História do Brasil, o Estado tem ficado muito distante desse conceito. Longe de se constituir em meio para a conquista das metas do desenvolvimento, arroga-se a condição de prioridade e instituição fim. Ou seja, invertem-se os valores. É como se os 190 milhões de habitantes tivessem a obrigação de trabalhar para sustentar um aparato público inchado, ineficiente e que, via de regra, está na contramão dos anseios do povo. Tudo isto agravado pelo estigma da corrupção.

Em meio a essas questões, o grande fato positivo é a prevalência da democracia. Lá se vão 18 anos da promulgação da Constituição de 1988, que, embora imperfeita e permeada de dispositivos anacrônicos, é a mais avançada de toda a História do Brasil, garantindo as prerrogativas da cidadania. Devemos exercê-las, pois no âmbito de um regime de liberdades políticas deve sobressair-se o papel da sociedade civil. Tais reflexões são muito importantes e oportunas por ocasião do transcurso de 21 de abril, quando a Nação celebra o patriotismo e a indignação de Joaquim José da Silva Xavier, o mineiro Tiradentes, que, como tantos outros conterrâneos e contemporâneos, mobilizou-se contra o jugo da Coroa de Portugal. Como sabemos, pagou com a vida seu engajamento na Inconfidência Mineira, sendo enforcado em 21 de abril de 1792, há 214 anos.

A história da democracia brasileira foi construída pela sociedade, inspirada, motivada e mobilizada por pessoas como Tiradentes. Quis o destino que outro mineiro também se tornasse um dos heróis da liberdade, na mesma data: há exatos 21 anos, em 21 de abril de 1985, falecia o presidente Tancredo Neves, no Instituto do Coração, em São Paulo. Naquele momento, ele representava a transição entre o regime militar e um novo governo civil, que expressava todo o anseio e as esperanças dos brasileiros quanto às perspectivas de dias melhores.

A conquista da democracia - a começar da Independência - e sua consolidação, no contexto de uma República permeada por intermitentes regimes de exceção, foi um processo histórico longo e complexo, do qual muito deve orgulhar-se a Nação. Contudo, ainda não conseguimos converter a liberdade política em desenvolvimento e ética como pressuposto básico da gestão governamental. O Brasil subverte o conceito aristotélico de Estado e desafia o estoicismo de seus heróis.

Continuam os mesmos alguns dos problemas enfrentados pelos protagonistas da Inconfidência Mineira, dentre eles os impostos escorchantes que oneram a produção e transferem exagerado volume de dinheiro da sociedade ao setor público. Afinal, não há tanta diferença entre as estatísticas da “Derrama” de então e os quase 40% do PIB da carga tributária atual. E a apropriação do Estado por uma estrutura de poder, ocorrida por mecanismos de exceção no regime de 31 de março de 64, e a presente desventura da quadrilha dos 40? Qual a diferença prática, excetuando-se as liberdades democráticas?

Há, ainda, a persistência dos imensos desafios da exclusão social, da violência, dos juros e da ausência de política econômica eficaz, cuja solução vislumbrava-se na eleição de Tancredo Neves e no contexto da transformação histórica que ele representava. Nada mudou! O setor público cobra muito e oferece quase nada em termos de segurança, saúde, educação, infra-estrutura e, o que é mais grave, probidade administrativa. A prevalência de todos esses problemas fere a lógica filosófica, a moral e a ética, elementos que, desde o princípio da civilização, pautam o arcabouço legal dos povos vencedores.

Nesse cenário sócio-político-econômico, o 21 de abril tem pertinente interface com diálogo da peça “Vida de Galileu” (1940), do dramaturgo alemão Bertold Brecht. Um personagem afirma: “Infeliz do país que não tem heróis”; o outro pondera: “Não, infeliz do país que precisa de heróis”. Este é o caso do Brasil. Seguimos necessitando de pessoas como Tiradentes e Tancredo Neves e, sobretudo, dos heróis anônimos que, apesar de todas as distorções e problemas e de um Estado que conspira contra o desenvolvimento, conseguem manter vivo o País e sua economia. Refiro-me aos trabalhadores, empresários e os brasileiros de boa índole, que haverão de conduzir esta Pátria ao seu verdadeiro destino de prosperidade e justiça social.

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