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Autor:
José Matias Pereira
Qualificação:
Professor-Pequisador e Ex-coordenador do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade de Brasília
E-Mail
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Data:
09/06/04
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O Brasil no TRIPS: Os Custos dos Equívocos nas Negociações Sobre Propriedade Intelectual

As grandes mudanças que delimitaram etapas no processo de evolução da humanidade sempre tiveram o suporte da tecnologia, em que pese estarem calcadas no empirismo, gerando conhecimento posterior. No mundo atual, o conhecimento antecede ao fato, ao investimento, à criação de uma empresa ou mesmo aos grandes negócios internacionais. Recorde-se que, somente nos anos 90 o conhecimento foi abordado como elemento explícito e condicionante do desenvolvimento, nas "Novas Teorias de Crescimento", formuladas por Paul Romer e seus colaboradores. Até então, o conhecimento era considerado variável exógena à teoria econômica.

Observa-se que, a criação de condições adequadas para a produção do conhecimento nos países em desenvolvimento é uma tarefa que exige a definição de estratégias consistentes por parte dos governantes (OCDE, 2003). Nesse cenário, o Brasil encontra-se numa posição intermediária entre os países que buscam colocar a produção de conhecimento no centro do desenvolvimento econômico e social. Os recursos aplicados em ciência, pesquisa e fomento tecnológico representam 0,89% do PIB, média semelhante à de nações como a Espanha (0,9%), mas muito distante das maiores economias, como os Estados Unidos (2,7%) e Japão (3%), ou de tigres asiáticos, como a Coréia do Sul (2,5%). Nestes países, por outro lado, a iniciativa privada, em especial a indústria, responde por 60% dos investimentos em pesquisa e tecnologia, enquanto no Brasil e outras nações intermediárias no setor o governo assume cerca de 60% dessas inversões. Os investimentos aplicados em P&D no Brasil, em 2000, o setor público foi responsável por 60,2%, enquanto os restantes 39,8% ficaram por conta do setor privado (MCT, 2004). Os investimentos feitos em P&D naquele ano, alcançou 1,05% do PIB. A taxa histórica brasileira é de 0,8% do PIB. É oportuno destacar, nesse contexto, que o ranking de registro de patentes do Patent Cooperation Treaty (PCT), acordo ligado a World Intellectual Property Organization (WIPO), que possibilita registro de patentes em 123 diferentes países surge como um importante indicador do desempenho na área de inovação tecnológica de um país. No ranking de 2003, os Estados Unidos ocupa o primeiro lugar, com 39.250 pedidos de patentes (35,7% do total), seguidos por Japão (16.774 pedidos, ou 15,2% do total) e Alemanha (13.979 pedidos, representando 12,7% do total). A Coréia do Sul ocupa a sétima posição da relação, com 2.947 pedidos de patentes (ou 2,7% do total), um avanço de 15,5% no número de pedidos em relação a 2002. O Brasil aparece no ranking com 221 pedidos de patentes (com 0,2% do total, na sexta posição entre os emergentes), atrás da China (1.205), Índia (611), África do Sul (376), e Cingapura (313), e à frente do México (123).

Uma das explicações para o baixo desempenho do Brasil no citado ranking de pedidos de registro de patentes do PCT está na proporção de pesquisadores que estão atuando nas empresas. Nos países desenvolvidos, até 80% dos pesquisadores e seus estudos estão lotados nas empresas, enquanto os restantes 20% se encontram na academia. Verifica-se que, nos Estados Unidos, existem 800 mil cientistas fazendo pesquisa em empresas; na Coréia do Sul, 75 mil; no Brasil, menos de 30 mil. Esse baixo número de pesquisadores nas empresas decorre do fato de que no Brasil essa proporção é inversa, havendo 80% da pesquisa na universidade e 20% nas empresas. Esses dados são preocupantes, visto que o esforço da academia não está direcionado para a inovação tecnológica, ou seja, aquela inovação que busca transformar o conhecimento em produtos ou ferramentas produtivas. O foco da universidade está na pesquisa de longo prazo, que serve de base à inovação tecnológica. As inovações devem ser desenvolvidas nas empresas, visto que dispõem de recursos e de interesses específicos na valorização desse tipo de pesquisa. Dessa forma fica demonstrado que, a inclusão do Brasil no cenário mundial de desenvolvimento tecnológico exige que sejam definas estratégias consistentes para direcionar as atividades de pesquisa de desenvolvimento para dentro das empresas.

Diante desse quadro, fica evidenciado que o sucesso de uma política industrial depende do volume dos investimentos direcionados pelo Estado para a inovação tecnológica no país (Coutinho, 1994). Esse esforço de gerar estímulos às atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), especialmente no âmbito das empresas, é uma medida indispensável, visto que os investimentos feitos nesse setor são caracterizados pelo elevado grau de risco. Observa-se, com base nos referenciais internacionais, que o Brasil possui uma base de pesquisa acadêmica competitiva. A base de pesquisa empresarial, entretanto, é bastante frágil. Dessa forma, o grande obstáculo a ser superado é a geração de estímulos para que as empresas do Brasil possam empregar cientistas e engenheiros para fazer desenvolvimento tecnológico nas empresas (Brito Cruz, 2004). Isso explica, em parte, porque os investimentos em P&D das empresas brasileiras é tão reduzido. Observa-se que, uma elevada prioridade dada pelo país nessa área produz reflexos positivos no campo das inovações tecnológicas. Quando isso ocorre, o país também aumenta a sua participação no volume de patenteamento no mundo.

Assim, à questão da proteção à propriedade intelectual se apresenta como uma área sensível e importante para apoiar o processo de desenvolvimento do país (OCDE, 1996). É nesse setor que estão ocorrendo, na atualidade, os maiores enfrentamentos no mundo, visto tratar-se do controle de dois fatores estratégicos para qualquer país: o domínio da tecnologia e da informação proprietária. São os denominados ativos intangíveis, que são apropriados sob a forma de títulos que geram royalties, por meio da exploração de marcas e patentes, e copyrights, pela reprodução de obras artísticas e literárias (Matias-Pereira, 2004).

Registre-se, entretanto, que o Brasil, na área de propriedade intelectual encontra-se numa posição bastante desconfortável, especialmente após a
adesão do país ao TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights). Nesse tratado - firmando no bojo dos acordos do GATT, em 1995, que viabilizou a criação da Organização Mundial do Comércio -, pode-se argumentar que o Brasil fez enormes concessões aos países desenvolvidos no campo da propriedade intelectual. O governo brasileiro, nessas negociações, de forma inconseqüente, decidiu não exercer o direito do país de adiar o reconhecimento das patentes do primeiro mundo até 2005. A China e a Índia, por exemplo, optaram pelo adiamento do reconhecimento dessas patentes.

Assim, a partir de 1996, o Brasil passou a reconhecer tais patentes, até mesmo com efeitos retroativos. Por sua vez, as principais promessas feitas pelos países desenvolvidos, em relação a questão da propriedade intelectual, jamais foram cumpridas. Pelo contrário, os países avançados foram gradativamente solapando esse equilíbrio, através de convenções e protocolos específicos firmados no âmbito de acordos regionais. Nesses acordos, são definidas normas detalhadas e rigorosas para proteger os direitos desses países. Nelas são permitidas retaliações comerciais por pretensas violações, mas se mantêm inalteradas as normas genéricas, difusas e de difícil aplicação quando se trata dos interesses dos países em desenvolvimento (Matias-Pereira, 2003).

Pode-se afirmar que, é emblemático o caso da Índia, na área de proteção à propriedade intelectual. Por meio de sólidas políticas de desenvolvimento industrial e tecnológica, aquele país alcançou uma significativa autonomia em relação às grandes empresas transnacional detentoras de patentes, em particular, na indústria farmocoquímica. O Brasil, por sua vez, abriu o seu mercado, nos anos 90, sem qualquer cuidado com as necessidades da população e da sobrevivência desse setor estratégico para o desenvolvimento do país. O país, que na década de 80, registrava cerca de 30 patentes/ano no escritório norte-americano de depósito de patente industrial (United Patent and Trade Office - USPTO), vem registrando nos últimos anos cerca de 100 patentes/ano. Por sua vez, a Índia que praticamente não fazia nenhum registro de patente na década de 80, registra atualmente mais de 500 patentes/ano (USPTO, 2003).

Os custos decorrentes do enfraquecimento do segmento farmacoquímico brasileiro, na última década, sinaliza que, além das medidas de estímulos que estão sendo criadas com a implementação da nova política industrial e tecnológica e de comércio exterior (MIDC, 2004), é essencial que o Brasil reformule as suas posições nas negociações que envolvam aumento dos direitos proprietários na área de marcas e patentes. O TRIPS, conforme ficou evidenciado&Mac246; por ser extremamente favorável aos interesses do país desenvolvidos (OMC, 2003) -, deve ser negociado somente no âmbito da Organização Mundial do Comércio, a partir dos avanços alcançados na Rodada de Doha (que definiu o princípio da busca do reequilíbrio dos acordos que lhe deram origem). Podemos concluir, assim, que o governo, o parlamento, a comunidade científica, os empresários e a sociedade organizada, precisam intensificar os debates e definir sólidas estratégias sobre a forma de participação do Brasil nos principais fóruns mundiais ou regionais - OMC e Alca, nas questões que envolvam os interesses do Brasil na área de proteção à propriedade intelectual. Isso irá evitar a repetição dos erros cometidos no passado, e em última instância, contribuir para a construção de um futuro melhor para o país.

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