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Autor:
Alfried Karl Plöger
Qualificação:
Presidente da Associação Brasileira das Companhias de Capital Aberto (Abrasca) e da Abigraf Regional São Paulo (Associação Brasileira da Indústria Gráfica)
E-mail:
[email protected]
Data:
09/09/05
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Proposta Inconsistente

A indústria gráfica e o mercado mobiliário têm um ponto em comum: ambos são termômetros do comportamento da economia em geral e da performance dos distintos setores de atividade. Esta peculiaridade foi muito evidente no País quando se desencadeou o processo de privatização das telecomunicações. Paulatinamente, cresceu o volume de impressão das contas telefônicas, devido ao aumento do número de concessionárias e, principalmente, pela significativa ampliação do acesso às linhas, que deixaram de ser um privilégio e ficaram ao alcance de número muito maior de brasileiros. A nova realidade do setor, muito diferente dos tempos dos "planos de expansão", com espera de cinco anos, também suscitou a valorização das ações das companhias, significando mais renda, empregos e dinheiro para investimento não atrelado à dívida pública.

O crescimento do número de usuários da telefonia, medido com clareza pelo maior movimento das gráficas que imprimem as contas, e a performance das ações das companhias demonstraram que, após décadas de atraso, o País havia de fato ingressado na "idade contemporânea" do setor. Hoje, tem mais de 100 milhões de linhas fixas e celulares. Antes da privatização, não havia sequer um quarto deste volume. O consumidor desrespeitado, cuja única opção era comprar um telefone a peso de ouro no mercado paralelo, deu lugar ao cidadão com a prerrogativa de múltiplas alternativas e o direito de exigir qualidade e preço. Além disso, o Brasil é o terceiro mercado do mundo em número de "orelhões", atrás apenas de Estados Unidos e China, e o segundo em termos per capita, perdendo apenas para essa nação asiática.

Os antigos problemas parecem esquecidos pelos brasileiros, já acostumados às facilidades para a compra de um telefone. No entanto, neste vácuo da ausência de memória vem ganhando corpo uma proposta capaz de colocar em risco o avanço verificado e de comprometer a meta de universalização do acesso às linhas, obrigatória para as concessionárias do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC). Trata-se da extinção da tarifa de assinatura, cobrando-se apenas os pulsos. Demagogia à parte, tal proposição não resiste à análise lógica. A assinatura mensal não é uma taxa, como alguns buscam erroneamente definir, mas sim uma tarifa prevista no sistema legal e regulatório do setor, que vem sendo defendido pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), inclusive na instância jurídica, na qual o Inadec (Instituto Nacional de Defesa do Consumidor) iniciou guerra de liminares contra a cobrança.

A inconsistência da proposta pode ser facilmente evidenciada por inexoráveis indicadores. Somente em dois países - Irã e Guatemala - não se cobra a tarifa fixa, cujo valor médio no mundo oscila entre 10 e 15 dólares, ante sete e oito no Brasil. Aqui, há ainda um benefício adicional, pois é concedida ao usuário residencial franquia de 100 pulsos. Além disto, outros serviços, como gás, água, energia elétrica e televisão por assinatura, que, a exemplo das telecomunicações, exigem pesados e constantes investimentos, inclusive em tecnologia de ponta, igualmente têm cobrança mínima mensal.

São fixos dois terços dos custos das concessionárias, como os referentes à rede externa de acesso, comutação, manutenção e estruturas comercial e administrativa. Para remunerar estes custos, é preciso cobrar a assinatura básica mensal. O argumento de que algumas operadoras apresentam ao mercado planos alternativos sem a cobrança da tarifa de assinatura não é válido, pois estas não são obrigadas a cumprir as metas de universalização dos serviços, compulsoriamente impostas às concessionárias do STFC. Também precisa ser considerada a alta carga tributária incidente sobre as telecomunicações no Brasil, superior a 40% do valor das tarifas, contra média mundial muito inferior, variável entre 20%, na Itália, e 5%, no Japão.

Propostas incongruentes como a eliminação da assinatura básica ludibriam os consumidores e atentam contra a credibilidade da Nação. Todo o processo de concessão da telefonia foi baseado num marco legal, em que a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) tem missão preponderante no sentido de que sejam cumpridos compromissos implícitos do governo brasileiro com as concessionárias e os usuários, constantes dos editais de licitação, atendidos com seriedade por companhias privadas nacionais e internacionais. Um desses pontos é justamente a cobrança da tarifa fixa por 20 anos após a concessão.

Atropelar as agências reguladoras, mudar as regras do jogo com este em andamento e ignorar os marcos legais e normas estabelecidas no processo de privatização são posturas prejudiciais ao País, podendo afugentar investimentos, derrubar ações e comprometer toda a modernização de importantes serviços públicos. Ao invés de se fomentar o casuísmo, seria muito mais produtivo, no caso, aplicar adequadamente os R$ 4 bilhões disponíveis no Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), criado em agosto de 2000, pela lei 9.998, mas jamais utilizado.

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