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Autor:
João Ribas
Qualificação:
Coordenador do Programa Serasa de Empregabilidade de Pessoas com Deficiência.
E-Mail
[email protected]
Data:
11/03/04
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Pessoas com Deficiência e Emprego Formal

As dificuldades que as empresas têm encontrado para contratar

Nos dois últimos anos, o setor empresarial brasileiro tem sido oficialmente convocado e, às vezes, até intimado, a contratar pessoas com deficiência.
Algumas foram contratadas. Outras estão sendo. Mas ainda são muito poucas, nem sabemos ao certo quantas continuam no mesmo emprego.

A pesquisa Retratos da Deficiência no Brasil, recentemente publicada pela
Fundação Getúlio Vargas em parceria com a Fundação Banco do Brasil, mostra que "num universo de 26 milhões de trabalhadores formais ativos, 537 mil são pessoas com deficiência, representando apenas 2% do total". Outra pesquisa, desenvolvida pelo professor José Pastore, apresenta dados quase idênticos. As duas pesquisas foram feitas em 2000, mas é praticamente certo que o número de pessoas com deficiência, formalmente empregadas no Brasil, não aumentou substancialmente.

Por que o Brasil emprega poucas pessoas com deficiência?

Em primeiro lugar, porque o nível de consciência de responsabilidade social no Brasil ainda é baixo. A maioria das empresas até agora contrata apenas porque se vê obrigada a cumprir a lei. Acaba então contratando poucos, de forma atabalhoada, sem muitos critérios, sem planejamento e, portanto, sem real comprometimento com a empregabilidade.

Em segundo lugar, porque escassos ainda são os profissionais de RH, médicos do trabalho e líderes de áreas empresariais que conhecem os alcances e limites das pessoas com deficiência. Muitos recrutadores e selecionadores se sentem constrangidos em entrevistar e então não perguntam o simples: "o que você consegue fazer, o que não consegue e quais adaptações são necessárias para conseguir fazer"? Muitos instrutores ficam inseguros quando sabem que na próxima turma de treinamento haverá um cego ou um surdo. Muitos médicos não sabem como fazer o exame admissional num paraplégico que foi acometido de lesão medular.

Em terceiro lugar, porque o nível de escolaridade da maioria das pessoas com deficiência no Brasil é baixíssimo, assim como é precário o grau de preparação para o trabalho. Os poucos que concluíram o Ensino Médio de modo satisfatório e os universitários estão, quase todos, empregados. Mas os muitos que interromperam os estudos ainda no Ensino Fundamental ou seguem estudando a passos lentos e trôpegos, estão desempregados e praticamente sem grau de competitividade para obter um emprego formal com registro, benefícios e garantias trabalhistas. Por essa razão, muitos ganham a vida no mercado de trabalho informal.

Em quarto lugar, porque a legislação vigente, além de em certos aspectos desorientar o empregador, muitas vezes é utilizada pelos que têm poder de auditoria como instrumento de coerção, e não como deveria ser: um recurso educacional para que as empresas se adequassem a fim de promover a contratação, o crescimento profissional e a retenção no emprego.

Em quinto lugar, porque os empresários, principalmente das micro e pequenas empresas, não contam com quase nenhum incentivo governamental para qualificar profissionalmente e contratar pessoas com deficiência. São cobrados a cumprir a legislação que fixa uma porcentagem de contratações, mas são muito pouco encorajados com auxílios estratégicos.

O que fazer para o Brasil empregar mais pessoas com deficiência?

Primeiro, as empresas devem incrementar seu grau de responsabilidade social atinando que a ação cidadã não estorva os seus negócios. Pelo contrário, os amplia. As pessoas com deficiência devem ser compreendidas como profissionais em quem se pode investir. Rampas, banheiros adaptados, softwares de voz, leitores de telas, impressoras Braille, intérpretes de Libras devem ser encarados como recursos e ferramentas de acesso ao trabalho oferecidos aos profissionais com deficiência, tanto quanto os são as estações de trabalho ergonômicas, os aplicativos gráficos e os professores de línguas colocados pelas empresas à disposição dos profissionais em quem se quer investir.

Segundo, as empresas devem ter o destemor de examinar não só os valores explícitos, como também os tácitos, presentes nas suas culturas organizacionais. O rarefeito conhecimento sobre os alcances e limites das pessoas com deficiência é fruto da pouca elasticidade da cultura. Uma possibilidade de torná-la mais receptiva à convivência com pessoas com deficiência é instigar a pesquisa acadêmica e explorar melhor o tema, até agora só pincelado, nos currículos universitários.

Terceiro, o sistema regular e profissional de ensino público e privado deve investir, cada vez mais, na preparação profissional e humana dos seus docentes. E, se houver maior integração entre empresa e escola, haverá maior conhecimento da correspondência entre as exigências das tarefas profissionais e alcances das pessoas com deficiência, havendo assim melhor adequação.

Quarto, a legislação nacional que vige, pertinente às pessoas com deficiência, deve ser reapreciada, com isenção de ânimos políticos, para que se verifique em que medida sua aplicação encontra-se a favor da empregabilidade. Uma possível reforma deve vir imbuída de foco educativo e jamais coativo; estar a serviço da união das partes envolvidas e colaborar com a aplicabilidade da responsabilidade social. Deve, também, reavaliar a obrigatoriedade do cumprimento do preenchimento das cotas de emprego, levando em consideração a capacidade de absorção pelos diferentes setores empresariais, os variados graus de risco à saúde e segurança do trabalhador existentes em cada segmento empresarial e envolver as empresas com menos de 100 funcionários (hoje desobrigadas de contratar). Deve, ainda, incentivar criteriosamente a criação de cooperativas que possam se tornar uma alternativa segura de trabalho e renda para os que têm maior dificuldade de conseguir emprego formal.

Quinto, as empresas privadas devem poder contar com incentivos governamentais, sem que isso signifique isenção fiscal ou tributária. Não se trata de pagar menos impostos para contratar pessoas com deficiência.
Trata-se, por exemplo, de poder dispor de linhas de financiamento a juros baixos para poder adaptar arquitetonicamente as edificações e comprar equipamentos que darão maior profissionalismo a essas pessoas

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