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Autor:
Ruy Martins Altenfelder Silva
Qualificação:
Presidente do Instituto Roberto Simonsen
E-Mail
[email protected]
Data:
11/05/04
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De volta ao futuro

O processo de modernização do Estado, um dos mais visíveis avanços do Brasil nos últimos dez anos, aparentemente não está mais tão ameaçado, considerando ser o projeto de lei sobre as agências reguladoras, em trâmite no Congresso Nacional, um avanço do Governo Lula em relação à sua posição inicial quanto ao tema. Desde sua posse, o Executivo promovia paulatino e explícito esvaziamento desses organismos, expresso na própria retórica presidencial, no anteprojeto de lei e, mais recentemente, na demissão de Luiz Guilherme Schymura da presidência da Anatel. Com razão, os agentes produtivos, a sociedade e, o que é mais grave, os investidores nacionais e estrangeiros foram dominados pelo receio de que o País estivesse iniciando caminho de volta nas concessões públicas, principalmente no setor da infra-estrutura, essencial ao desenvolvimento.

A meta de desqualificar as agências, reduzir sua independência e minimizar seu papel resistiu, de início, às audiências públicas realizadas para a análise do anteprojeto e às contribuições pró-ativas da sociedade, que se mobilizou para debater o tema à luz das necessidades efetivas da Nação. Exemplo disto foi o seminário "O Poder regulador das agências", promovido em maio de 2003 pelo Instituto Roberto Simonsen, organismo de estudos avançados da Fiesp. Na oportunidade, numerosos e qualificados especialistas, dirigentes de entidades de classe e empresários foram unânimes em reconhecer a importância da modernização do Estado e o papel das agências para a consolidação da confiança internacional e da posição do Brasil como celeiro de investimentos produtivos no novo século.

Todo esse esforço valeu a pena, pois, na prática, parece ter sensibilizado o governo para uma questão da mais alta relevância. Não se pode mensurar com precisão o preço pago pelo País em decorrência das ameaças à estabilidade, à independência e à atuação das agências. É lógico, porém, presumir que, no mínimo, a insegurança suscitou dúvidas e o adiamento de investimentos. O relevante, porém, a despeito do atraso, foi o reconhecimento do governo quanto a uma postura equivocada e a sua decisão de auscultar os setores produtivos, os especialistas e o pulsar da nova ordem econômica mundial: o governo propõe, induz, estimula, torna viável e regulamenta; o Estado financia a parte que lhe compete na parceria e presta contas à sociedade de todos os seus atos, sem se omitir em qualquer hipótese.

Nesse contexto, o status das agências, felizmente, fica praticamente inalterado no projeto de lei. Resta tornar mais claras quais serão as sanções pelo não cumprimento dos contratos de gestão contidos na proposta (fica a dúvida se estes instrumentos seriam mesmo necessários...). Entretanto, já é um avanço o fato de não estar mais cogitada a possibilidade de punir diretores com demissões e de ser mantida sua autonomia.

Também é preciso esclarecer um aspecto crucial: segundo a proposta, pertence aos ministérios o poder concedente. Ou seja, cabe ao Executivo, de forma direta, decidir sobre licitações e firmar contratos de concessão com a iniciativa privada, cabendo às agências a operação, fiscalização e regulação dos contratos e do mercado. Ora, jamais foi diferente. Houve casos em que as agências praticamente assumiram o papel de poder concedente apenas em decorrência da omissão de um ou outro ministério.

Fica a lição: um dos mais sábios princípios da arte de governar é impedir a ingerência ideológica em questões eminentemente técnicas. Passado o susto, é necessária, agora, estratégia rápida e eficaz de comunicação, para dizer ao mundo que o Brasil está reconduzindo o Estado ao Século XXI e desistindo de engessar os grandes investimentos em infra-estrutura, responsáveis por um dos maiores fluxos de ingresso de capital produtivo em toda a sua história.

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