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Autor:
Ivo Marcos Carraro
Qualificação: Engenheiro Agrônomo D.S. Presidente da Associação Brasileira dos Obtentores Vegetais e Diretor Executivo da Cooperativa Central de Pesquisa Agrícola
Site: www.orileg.com.br
Data:
13/06/06
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Pirataria de Sementes é a “Febre Aftosa” da Agricultura

Acompanhamos nos últimos tempos os prejuízos causados à economia brasileira por moléstias como a febre aftosa e a gripe aviária e, principalmente, os danos acarretados à imagem do País como exportador de produtos agrícolas no mercado externo. E tal problemática já afeta a agricultura de maneira devastadora, disseminada pela utilização desenfreada de sementes pirateadas.

O Brasil é hoje um dos maiores produtores agrícolas do mundo, graças à qualidade das sementes que utiliza. Esta posição de liderança só foi possível pelo desenvolvimento contínuo de novas variedades adaptadas ao solo e ao clima brasileiro. O agronegócio - atividade fundamental do Brasil, que movimenta cerca de R$400 bilhões ao ano, representa 37% dos empregos gerados no País e cerca de 44% das exportações - está ameaçado pela pirataria de sementes.

A pirataria é a ‘febre aftosa’ da agricultura. No caso das sementes pirateadas, o que está em jogo é a estabilidade do agronegócio brasileiro. Tais sementes falsas, cultivadas sem controle, promovem a disseminação de pragas e doenças, reduzem a produtividade e a produção das lavouras, desestimulam as empresas de pesquisas que deixam de lançar novas cultivares. Além disso, destroem o mercado legal de sementes e reduzem a qualidade da matéria-prima agrícola utilizada tanto pela indústria quanto destinada a exportação, afetando profundamente o agronegócio, hoje responsável por cerca de 33% do PIB nacional.

A economia imediata que se espera obter com o uso de cultivares piratas não se justifica e, em pouco tempo, se traduz em prejuízos oriundos da desestabilização do desenvolvimento harmônico da atividade. Com o mercado na informalidade, as fontes de renovação e pesquisas cessam, prejudicando, no médio prazo, a força competitiva do Brasil no abastecimento interno e como exportador de produtos agrícolas.

As conseqüências começam a ser sentidas nos Estados onde não existe o controle da produção, o ilícito sobrepõe-se ao legal. Sofre o Estado com a menor arrecadação. Sofre o agricultor com menor renda e menos estabilidade econômica. Sofre a sociedade e ganha o pirata inconseqüente.

Exemplo recente foi o da soja transgênica no Rio Grande do Sul que, por estar o Brasil em uma infindável discussão judicial sobre a sua aprovação por cerca de 7 anos, os agricultores iniciaram uma introdução ilegal de variedades de sementes da Argentina sem nenhum teste prévio ou aprovação, o que resultou em quase 100% de lavouras ilegais naquele estado, praticamente inviabilizando as pesquisas e as empresas de sementes, alem de muitos agricultores terem amargado prejuízos pela não adaptação destas cultivares naquele ambiente. Posteriormente estas sementes se disseminaram para outras regiões do país onde o problema foi maior, pois as diferenças entre o clima argentino e o clima destas regiões eram muito maiores, influenciando negativamente o comportamento de tais sementes. Resulta que agora, com o habito do uso ilegal pelo agricultor introduzido pela soja acima citada, houve aumento da pirataria em quase todos os produtos agrícolas, pondo em risco a segurança de uma superfície cada vez maior. Como se viu nos últimos dois anos, as reações de plantas provenientes de sementes piratas são desastrosas sob estresse hídrico (seca).

No mercado externo, além de rígidos padrões da qualidade, é crescente a exigência de conformidade legal (propriedade intelectual, social e ambiental) na geração do produto. Contudo, na contramão das tendências internacionais, vê-se no Brasil a crescente oferta de produção gerada e negociada a partir de sementes piratas, um ato ilícito que compromete a qualidade da produção brasileira. Ha o risco de, em contenciosos internacionais em que o Brasil reivindica o fim de subsídios agrícolas nos paises ricos, que sejamos acusados de subsidiar a agricultura de forma camuflada pela pirataria.

Mesmo assim, notamos o evidente desrespeito de muitos produtores locais em relação à propriedade intelectual utilizada no País e que nos coloca em posição de desigualdade na negociação internacional. O Brasil, hoje reconhecido como uma potência de destaque mundial, poderá ser apontado como um incentivador de pirataria e ter sérios problemas, impactando toda a cadeia de produção (da semente ao produto final).

Vale ainda relembrar a solicitação do governo norte-americano ao Brasil em demonstrar o progresso efetivo no combate à pirataria, sob pena de ser retirado do Sistema Geral de Preferências, que beneficia as exportações brasileiras em US$ 2,5 bilhões.

Mais do que outros setores da economia, a agricultura depende fundamentalmente da constante aplicação de tecnologia na só para os crescimentos em produtividade, mas principalmente para manter a competitividade frente a constante aparecimento de novos e cada vez mais graves problemas como pragas e doenças que reduzem as produções e cujos tratamentos elevam sobremaneira os custos de produção.

A sociedade brasileira está habituada com as atividades chamadas informais que crescem a cada dia criando uma economia paralela que não paga impostos e sonega qualquer direito de propriedade intelectual. São CD’s, brinquedos, softwares, livros, calçados e uma serie grande de produtos. O Ministério da Justiça criou o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, com o objetivo de combater a informalidade predatória.

Pois bem, na agricultura este mal também se faz sentir de forma crescente e ameaça a sustentabilidade do agronegócio. A boa notícia é que está em estudo a criação dentro deste Conselho ao Grupo de Trabalho – Agronegócio, inserindo também nesta instancia oficial assuntos como o desrespeito à propriedade intelectual de sementes, biotecnologia e outros produtos patenteados ou protegidos por legislação nacional, além de contrabandos também nesta área.

Iniciativas têm surgido no seio das entidades representativas do agronegócio visando a certificação de origem legal de produtos e é crescente o volume de ações na justiça reivindicando direitos de propriedade intelectual na agricultura.

Para que o abastecimento de alimentos e fibras e a exportação, que gera divisas para o país, possam ser asseguradas para a sociedade, são necessárias ações fortes por parte dos poderes públicos constituídos em todas suas instancias na direção de um combate sério e sistemático à informalidade e à ilegalidade que cresce assustadoramente também na agricultura nacional.

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