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Autor:
Alfried Karl Plöger
Qualificação:
Presidente da Associação Brasileira das Companhias de Capital Aberto (Abrasca) e da Abigraf Regional São Paulo (Associação Brasileira da Indústria Gráfica)
E-Mail
[email protected]
Data:
13/08/04
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Quer o Governo Entravar o Crescimento?

A arrecadação tributária prevista pelo próprio governo este ano, no que diz respeito apenas à esfera federal, deverá representar 24,71% do Produto Interno Bruto (PIB), ou 0,9 ponto percentual acima do registrado em 2003. Pior: o aumento da carga no primeiro semestre irá manter-se no segundo, de acordo com relatório de avaliação das receitas e despesas mandadas ao Congresso Nacional pelo Ministério do Planejamento na noite de 23 de julho.

Transformando os frios percentuais em reais, verificamos que a União já está contando oficialmente com R$ 4,5 bilhões adicionais em impostos. Apesar deste reconhecido excesso de arrecadação, o setor privado recebeu um forte golpe, que teve o agravante de vir de maneira inesperada: no bojo da Lei 10865/04, um documento extenso, o governo ofereceu, como surpresa, a restrição à dedutibilidade das despesas financeiras na base de cálculo do PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Tal dispositivo, que entrou na lei sem explicações ou fundamentação, eleva substancialmente o custo do dinheiro para as empresas. Trata-se de mais uma evidência do divórcio entre o discurso e a prática. Afinal, o governo diz querer que o País cresça, anuncia medidas de apoio ao aumento da produção, comemora os sinais de que a retomada está começando, mas insere em uma lei, um tanto sub-repticiamente - para dizer o mínimo -, um dispositivo que redunda em maior custo do dinheiro, tão necessário neste momento para sustentar a retomada do fomento do nível de atividades. O sentimento que nos fica é o de perplexidade, pois, além de tudo, o aumento do custo do dinheiro veio em uma lei supostamente destinada a compor o arsenal da luta contra a cumulatividade de impostos, reconhecidamente um dos mais sérios entraves ao desempenho da economia brasileira.

A Associação Brasileira das Companhias de Capital Aberto (Abrasca) reagiu prontamente. Seu Conselho Diretor decidiu empreender ações no sentido de aglutinar os esforços de todas as entidades representativas de empresas, com vistas a revogar o dispositivo contido de maneira tão surpreendente na lei. Para a entidade, impõe-se o imediato restabelecimento, por lei, do direito ao crédito das despesas financeiras no cálculo da Contribuição do PIS e da Cofins, como forma de preservar o princípio constitucional da não-cumulatividade.

Todos querem crescer, e há uma série de pressupostos favoráveis no cenário, neste momento. Hoje podemos dizer - o que raramente foi possível na nossa história - que dinheiro, o governo tem. Estes recursos vieram de um arrocho brutal sobre o setor produtivo, mas está nos cofres oficiais. Assim, o golpe desfechado na Lei 10865/04 sequer teria como ser classificado de "lamentavelmente indispensável". Observe-se que, só com a Cofins, o governo arrecadou R$ 37 bilhões no primeiro semestre e, até o final do ano, deverá chegar a R$ 79 bilhões, cerca de R$ 5,5 bilhões a mais do que tinha projetado no início de 2004. Em relação ao PIB, seu peso, que era de 3,9%, vai chegar a dezembro em 4,7%.

A Abrasca manifesta firme posição contrária ao peso da carga tributária em geral e aos movimentos e regras legais que de alguma forma representem entrave aos investimentos das empresas, à geração de renda e emprego, enfim, ao crescimento do País. Lembra que o sistema tributário brasileiro tradicionalmente ostentou o grave problema da cumulatividade de tributos. Nesta linha, na sua criação a contribuição ao PIS e à Cofins revelaram-se um exemplo típico de cumulatividade, ou seja, reforçaram a tendência do sistema brasileiro pela qual, havendo vários impostos e contribuições calculados sobre o faturamento, todas as empresas de uma mesma cadeia que concorram para a elaboração de um produto final pagam impostos sobre impostos, à medida que os bens intermediários são vendidos de uma empresa a outra. Como até mesmo o governo reconhece os males de tal reprodução de custos em cadeia, editou normas, no final de 2002 e de 2003, em que concedeu créditos calculados em relação a custos e despesas incorridos.

Em contrapartida, com o pretexto de evitar a perda de arrecadação, houve aumento aproximado de 150% das alíquotas. E de tudo isso resultou mais carga tributária, pois o movimento do governo com relação à extinção da cumulatividade não foi completo, apesar do aumento das alíquotas do imposto, justamente para compensar o que seria deixado de arrecadar. A não-cumulatividade deixou de abranger o direito ao crédito da totalidade dos custos e despesas já tributados, ocasionando, assim, um aumento substancial da carga tributária das empresas. Agora, para completar o arsenal contra a produção, a Lei nº 10.865/04 restringiu o direito aos créditos decorrentes das despesas financeiras.

A sucessão de fatos deste tipo, ao longo da nossa história, não conseguiu impedir o surgimento e a expansão de uma categoria de empresas que, contra todos os obstáculos e empecilhos, conseguiu conquistar espaço no mercado externo e assegurar o atendimento, pelas forças produtivas internas, da demanda do mercado doméstico. Mas quantas outras, que poderiam vicejar, acabaram morrendo ou simplesmente vegetando, por não ter forças para lutar contra tantas adversidades?

Uma nação cuja máquina governamental esteja de fato empenhada em promover o crescimento da economia e a qualidade de vida dos seus cidadãos não toma medidas que só deixam sobreviver as empresas heróicas, matando no nascedouro aquelas que poderiam vir a sobreviver, ganhar músculos, crescer, gerar empregos, renda e prosperidade. Esta situação lembra o diálogo entre dois personagens do dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956), na peça Vida de Galileu. Um deles afirma: "Infeliz do país que não tem heróis"; e o outro rebate: "Não, infeliz do país que precisa de heróis". É isto. O Brasil precisa que suas empresas tenham condições de investimento e produção menos díspares em relação às de outros países, inclusive latino-americanos, para que sua participação na economia global seja um exercício de competência e profissionalismo e não o repetitivo roteiro de uma epopéia.

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